O derradeiro filme rodado por Philip Seymour Hoffman, O Homem Mais Procurado, dirigido por Anton Corbijn, é uma pequena grande proeza de adaptação de um romance de John le Carré — este texto sobre a respectiva génese integrava um dossier publicado no Diário de Notícias (8 Agosto).
A célebre frase militante herdada do imaginário político do maoísmo — “A revolução não é um jantar de gala” — poderia, talvez, ironicamente, aplicar-se ao mundo da espionagem no cinema. Não a espionagem eufórica e espectacular que encontramos nos filmes de James Bond, mas sim a actividade, ao mesmo tempo metódica e angustiada, por vezes inusitadamente violenta, que está retratada num filme como O Homem Mais Procurado, realizado por Anton Corbijn. Estamos, afinal, perante um universo enraizado na escrita desencantada de John le Carré, mestre das histórias de espionagem.
Em boa verdade, a carga emocional de O Homem Mais Procurado excede as atribuladas peripécias da sua intriga, já que este foi o derradeiro filme rodado por Philip Seymour Hoffman. Reconhecido como um dos maiores talentos da geração de actores americanos revelados ao longo da década de 90, esteve ainda presente no Festival de Sundance, em Janeiro deste ano, para promover, precisamente, O Homem Mais Procurado (e também God’s Pocket, de John Slattery, ainda por estrear entre nós). Viria a falecer a 2 de Fevereiro, vítima de uma “overdose”, contava 46 anos.
Hoffman interpreta uma personagem visceral do universo de John le Carré (o romance está editado, com chancela da Dom Quixote, com o título Um Homem Muito Procurado, aliás mais fiel ao original A Most Wanted Man), procurando fazer valer os seus pontos de vista no interior de uma máquina política cujas motivações por vezes lhe escapam: ele é Günther Bachmann, agente dos serviços secretos alemães, empenhado em tentar perceber as razões que levaram um homem, proveniente da Chechénia, a procurar apoio na comunidade islâmica de Hamburgo. Mais do que uma investigação das suas origens, trata-se de saber que laços o ligam a uma teia de personagens que inclui uma família de emigrantes turcos e um banqueiro...
Mantendo-se fiel ao espírito do livro, Corbijn retrata um universo assombrado pelas memórias perturbantes do 11 de Setembro — de facto, foi em Hamburgo que Mohamed Atta montou o plano que conduziu à destruição do World Trade Center, em Nova Iorque. Daí uma peculiar inquietação que, passando pelas investigações dos serviços secretos (alemães e americanos), acaba por contaminar os lugares da acção e, não poucas vezes, as relações pessoais e profissionais.
Para Corbijn, este será, por certo, o filme que, definitivamente, o vai afirmar como um criador muito para além do universo musical a que, durante muito tempo, se manteve ligado (tendo sido, como fotógrafo e realizador de telediscos, um importante aliado dos U2, para além de ter colaborado, por exemplo, com os Nirvana, Depeche Mode ou Coldplay). Aliás, a sua primeira longa-metragem, Control (2007) tinha ainda a ver com a música, fazendo o retrato trágico de Ian Curtis, dos Joy Division; depois, dirigiu George Clooney no “thriller” O Americano (2010). Entretanto, está a trabalhar num novo título, Life, centrado na amizade que ligou o actor James Dean e o fotógrafo Dennis Stock.