terça-feira, agosto 05, 2014

Hércules digital (2/2)

Será Hércules o derradeiro derivado dos "super-heróis" a ser (re)lançado pelas novas produções digitais? Em boa verdade, o filme de Brett Ratner, protagonizado por Dwayne Johnson, aposta num registo algo diferente da maioria dos blockbusters — este texto integrava um dossier sobre o filme Hércules, tendo sido publicado no Diário de Notícias (30 Julho), com o título 'Nostalgia "kitsch"'.

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Os produtores do novo Hércules terão falhado a mais espectacular solução de casting. A saber: sendo a personagem de Megara, mulher de Hércules, interpretada por Irina Shayk, por que não entregaram o papel do herói a... Cristiano Ronaldo? De facto, no cruzamento do cinema com as estrelas de outras áreas, já vimos coisas bem piores...
Seja como for, o drama do filme de Brett Ratner não está tanto na figuração do seu herói — Dwayne Johnson (“The Rock”) satisfaz as exigências básicas de pose e energia que a personagem implica — como na sua irremediável estranheza conceptual. Dito de outro modo: este é um objecto gerado num tempo de muitos artifícios digitais (desde os cenários aos milhares de figurantes), mas lidando com um herói primitivo e, pelo menos de acordo com os padrões de “homens-aranhas” e seus derivados, uma mitologia algo anacrónica.
O paradoxo feliz de Hércules resulta do facto de os seus criadores se mostrarem sensíveis ao espírito de "série B” que este tipo de espectáculo pode envolver, afinal estabelecendo uma ponte nostálgica com o kitsch da época heróica dos filmes italianos com Steve Reeves. Aliás, face à possibilidade de o trabalho de Ratner suscitar um automático preconceito anti-americano, vale a pena referir que estamos perante uma produção rodada na Hungria, fotografada por um mestre da fotografia italiana, Dante Spinotti, com música de um compositor espanhol, Fernando Velázquez, e um elenco dominado por nomes britânicos (Ian McShane, Rufus Sewell, John Hurt, etc.). Nada disso faz deste Hércules o Ben-Hur dos tempos modernos, mas os resultados são bastante mais simpáticos do que os voos “acelerados” de super-heróis em filmes que nem sequer nos dão tempo para observar a variedade de elementos que uma imagem pode conter.