terça-feira, julho 29, 2014

Quem inspira Wes Anderson? (parte 2)



Numa altura em que esperamos pelo lançamento em DVD de Grand Budapest Hotel entre nós, fica um olhar sobre o cinema de Wes Anderson, tendo por base o livro que olha para os primeiros 20 anos da sua carreira. Este texto é a segunda parte de um artigo originalmente publicado no suplemento Q. do DN com o título ‘Partir dos filmes para achar o seu cinema’.

A primeira ideia de Wes Anderson enquanto criador de cinema era a de abordar o universo do ‘skate’ usando para tal a câmara Super 8 do pai, que acabaria por não mais sair das suas mãos. Como esse pequeno filme fez muitos mais, alguns deles tendo mais tarde sido roubados da mala do seu carro. “Os conceitos desses filmes não estavam lá muito bem desenvolvidos. Fiz alguns com [a personagem] Indiana Jones. E para esses criei cenários e um guarda-roupa, mas não se pode dizer que fossem coisas encorajadoras...”, recorda numa das entrevistas que podemos ler no livro.

Data depois do período que passou na universidade a fundação de uma vontade mais sólida em fazer cinema. Wes Anderson começou por pensar num futuro como escritor, mas a biblioteca da University of Texas tinha uma “boa coleção de livros sobre cinema”. Havia mesmo várias bibliotecas na universidade e todas tinham a sua secção de cinema e até mesmo filmes que podia ver. Wes começou a ler livros sobre realizadores e, depois, a ver os seus respetivos filmes. Havia livros sobre Bergman, Fellini, Truffaut, Coppola, Scorsese, Ford e Walsh... E é nessa etapa que floresce um interesse maior pelo cinema europeu dos anos 50 e 60 e nasce uma cinefilia que se revelaria determinante na construção da sua própria obra.

Wes Anderson começa a fazer filmes, usando o equipamento de uma estação pública em Houston. Um dos seus primeiros filmes foi um documentário sobre o seu senhorio. Um filme encomendado por ele mesmo e com o qual Wes esperava pagar dívidas que tinha para com ele. Pelos vistos, e segundo confessa no livro, o senhorio não gostou depois do que viu...

Foi de uma outra série de livros que partiu depois o caminho que o levaria eventualmente a um estatuto profissional. Wes tinha lido títulos sobre a criação de filmes como Os Bons Amantes (She’s Gotta Have It, de 1986) de Spike Lee ou Sexo Mentiras e Vídeo (Sex Lies and Videotape, 1989) de Steven Soderbergh e num deles referia-se como os irmãos Coen tinham chegado mesmo a visitar dentistas para recolher fundos para fazer um dos seus filmes. Explicava-se o que era uma pequena parceria e como se fazia. A ideia interessou-o. E juntamente com um produtor de Austin e o ator Owen Wilson, que tinha conhecido na universidade, começou a trabalhar no que acabaria por ser Bottle Rocket.

As muito ilustradas páginas de The Wes Anderson Collection notam não apenas as muitas fontes de inspiração que Wes Anderson colheu entre livros, no cinema, na pintura, fotografia ou na música, mas também repara como por vezes em pequenos detalhes de um filme podem estar referências que outros aprofundam mais tarde. Um desses exemplos é a figura de Jacques Cousteau. Vemo-lo numa fotografia (de Richard Avedon) que surge numa das imagens da primeira curta do realizador. E voltamos a encontrá-lo, citado na forma de um dos seus livros, numa das imagens de Todos Gostam da Mesma. Cousteau surgiria mais tarde como a principal inspiração para a composição da figura de Steve Zissou, protagonista de Um Peixe fora de Água (no original The Life Aquatic – with Steve Zissou, de 2004), que teve em Bill Murray (figura presente em vários dos seus filmes) o seu ator principal.

Wes Anderson conhecia uma biografia de Cousteau publicada “por volta de 1990 que dava uma ideia de quem ele era”, assim como tinha lido uma série de artigos onde se falava das suas viagens. “Comecei a criar esta impressão de Cousteau não apenas como oceanógrafo e aquela espécie de cientista super-herói, mas também como uma estrela, alguém que tinha de organizar estas operações, lidar com financiamentos e audiências e fama”, recorda em entrevista que lemos no livro. Era uma pessoa “não unidimensional” e, sublinha Wes Anderson, “em parte não era um homem simpático” (3). Steve Zissou tem Cousteau como principal influência, mas não a única, na verdade sendo um compósito de ideias colhidas de várias figuras reais, no fim acabando como “uma versão inventada” do oceanógrafo. O filme aprofundou ainda uma forma muito particular de entender a contribuição da art direction como um elemento maior na linguagem de Wes Anderson. Para o pensar foram visionados programas de Cousteau, filmes de Antonioni dos anos 60... E o guarda roupa cita memórias do Star Trek original.

Matt Zoller Seitz nota, no ensaio que abre o capítulo dedicado a Um Peixe fora de Água, que este foi “desapontante” tanto na apreciação da crítica como na bilheteira. E neste último aspeto junta-o a filmes como Playtime de Jacques Tati, New York New York de Martin Scorsese ou Do Fundo do Coração (no original One from the Heart) de Francis Ford Coppola como “flops de bilheteira cujas reputações cresceram com o tempo”. 

(3) in The Wes Anderson Collection, de Matt Zoller Seitz (Abrams, 2013), pag. 166