quinta-feira, julho 10, 2014

O cinema, as ideias e a música
segundo Derek Jarman (2)

Este texto é um excerto de um artigo sobre Derek Jarman originalmente publicado na edição de 27 de junho do suplemento Q, com o título ‘Por detrás da câmara de Derek Jarman’. 

O documento maior do relacionamento de Jarman com o punk ganhou contudo forma em Jubilee (1977), longa-metragem que Savage descreve em Stetchbooks como “um documento extraordinário de uma Londres decadente e agora perdida, e uma alegoria da rebelião, opressão e corrupção”. Rodado nesse verão, era, como acrescenta, “um ponto de vista feminista e gay de uma cultura infetada pelo machismo e violência”. Num dos outros depoimentos que encontramos em Sketchbooks a cantora Toyah Wilcox explica que Jubilee foi criado “como o primeiro filme punk e começa com um cenário no qual a monarquia perdeu o seu poder, houve uma quebra na sociedade e temos em cena um gangue feminino violento e perigoso”. Contudo, num outro nível, Toyah explica que “Jubilee era uma contradição em si mesmo e ia contra a ética do punk: fazer um filme sobre o punk era explorá-lo e comercializá-lo. Mas creio que o Derek sabia que no futuro tudo seria comercial ou não existiria”.

Autor de Derek Jarman: A Biography, Tony Peak defende nesse seu livro que o realizador dedicou Jubilee “a todos os que trabalham secretamente contra a tirania de marxistas, fascistas, sindicalistas, maoistas, capitalistas, socialistas, etc, que conspiraram juntos para destruir a diversidade e a santidade de cada vida em nome do materialismo”. O filme reforçava definitivamente a visão política de uma figura cuja vida e obra seria força marcante de oposição ao thatcherismo nos anos 80 e um importante ativista na luta contra o VIH.

Num outro depoimento entre os blocos de apontamentos do realizador, James Mackay (que produziu alguns dos seus filmes mais significativos) recorda que Jarman focou a sua atenção no noticiário sobre o VIH desde 1981. "Embora ele só tenha sido diagnosticado em finais de 1986, partiu do principio de que tinha o vírus desde 1984 e começou a falar abertamente sobre a sua sexualidade e a igualdade de direitos durante a montagem do filme The Last of England (1988)”, acrescenta. A partir desse ponto, conclui, “a sua postura muda completamente: a política tornou se central na sua vida. Ele não separava arte e política”.

Estudioso da obra de Jarman, William Pencak explica que o seu cinema deu-nos ainda uma perspetiva alternativa da civilização, uma “filosofia da história” de um ponto de vista homossexual. Para o Jarman a compreensão “das conquistas e a sobrevivência dos homossexuais sob séculos de perseguição podiam servir de inspiração” para as lutas no seu tempo. Não se trata portanto de revisionismo, mas de uma busca de outros modos de ver os acontecimentos.

Perante a falta de financiamento oficial durante anos a fio, Derek Jarman procurou outros caminhos. Jon Savage recorda em Sketchbooks como a sua resposta à falta de apoios foi a criação de um espaço de trabalho fora do establishment dos media, onde começou a retratar "numa série de filmes, exposições, livros, belos, irados e apaixonados, o desastre que sentia que estava a ser infligido ao país”. O cinema de Derek Jarman refletia assim uma economia feita de baixos orçamentos. Usava câmaras caseiras e chegou a reaproveitar imagens de filmes de família. Em 1978 a soma total do orçamento de todos os seus filmes até então não alcançava sequer um milhão de libras. Uma das “vantagens da pobreza de Jarman”, como caracteriza Pencak, era a sua capacidade para contratar colaboradores com cachets reduzidos. E muitos dos que trabalhavam nos seus filmes “estavam ali porque assim o desejavam”. Em Eduardo II (1991), onde “mostra que homossexuais têm um percurso mais difícil rumo à igualdade que outros grupos oprimidos”, contou com muitos ativistas do grupo OutRage!, que colaboraram por amor à causa num filme que cruza uma história de outros tempos com uma pulsão de revolta que era, afinal, coisa do presente. O uso de anacronismos, que surge em mais filmes seus retratando figuras de outras épocas, é aqui usado como ponte entre a narrativa que se conta e as personagens que se evocam e o contexto e o tempo em que o filme é criado.

(continua)