quinta-feira, julho 17, 2014

Novas edições:
Hercules & Love Affair

“The Feast of the Broken Heart”
Moshi Moshi
4 / 5

O espaço da música de dança tem mantido várias janelas abertas não apenas para com a memória de heranças dos acontecimentos que mudaram globalmente o perfil deste mesmo universo em finais dos oitentas (com foco em cidades como Chicago e Detroit, depois com passagens determinantes por Londres e pelas noites de Ibiza) como não perde (e ainda bem) o gosto por recorrentes encontros com a canção. Criado pelo também DJ e produtor Andy Butler, o coletivo Hercules & Love Affair tem-se mostrado como um dos mais sólidos projetos a operar entre estes domínios, tendo já assinada uma discografia que nos permite nela identificar não apenas a ocorrência de episódios mas a construção gradual de uma obra. É verdade que desde que se apresentaram, com um single que jogava pelo efeito de choque pelo confronto da voz de Antony Hegarty com um uma canção movida a energia herdada de fundações disco, nunca mais repetiram esse mesmo patamar de reconhecimento mais generalizado. Mas, ao editarem agora um terceiro álbum de originais (aos quais podemos juntar ainda volumes de discos com sets de DJing para as séries DJ Kicks e Sidetracked) deixam claro que são um espaço a ter em conta num panorama que não se esgota nas sensações do momento (ler Disclosure e outros que nos últimos tempos, e muitas vezes com toda a razão, têm merecido maiores focos de atenção). Muito aconteceu já entre o que apresentavam no álbum de estreia editado em 2008 e o momento em que agora mostram The Feast of The Broken Heart. Mudanças que por um lado se mostram no elenco em cena que mantém Butler na escrita e a parceria de Mark Pistel (um dos fundadores dos Consolidated e com obra que passa por discos de nomes como os Disposable Heroes of Hiphoprisy ou MC 900 Ft Jesus) e renova o mapa vocal, chamando Krystle Warren, Gustaph, Rouge May e John Grant (este último não repetindo o efeito “surpresa” de Antony uma vez que no seu álbum de 2013 estava já claramente entregue a uma atenção maior pelas electrónicas). O disco é um espaço ritmicamente ativo e intenso, que ora visita os terrenos do deep house ora caminha por heranças do disco ou ensaia o italo house, definindo um corpo de canções que da diversidade de referencias partem contudo para a construção de um corpo comum (sendo aí determinante um acoplamento que nos faz circular entre vozes que, com mais que uma participação, acabam por ajudar a definir a alma do álbum). Ao contrário de Giorgio Moroder, que teve em Donna Summer a sua diva ou de Patrick Cowley, que conheceu em Sylvester o seu principal parceiro vocal, Andy Butler está a definir, aos poucos, uma obra igualmente pessoal, mas ancorada numa mais discreta presença da sua imagem, aceitando assim, afinal, um dos ensinamentos maiores que um certo culto do quase-anonimato (dada a profusão de heterónimos e até mesmo segredos) que a club culture (não confundir com o DJ star system que são figuras de maior calibre na fama que na arte) explorou a partir de meados dos oitentas. E apesar de grandes momentos em discos anteriores, neste álbum talvez tenha registado o melhor “episódio” da sua discografia até este momento.