sexta-feira, julho 11, 2014

Na escrita de Violette Leduc

Martin Provost, o realizador de Séraphine (2008), percorre agora uma biografia da escritora Violette Leduc, descobrindo as convulsões de uma história invulgar: um belo filme sobre a vida através da escrita — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 Julho), com o título 'Exercícios de escrita'.

O filme Violette inicia-se em plena Segunda Guerra Mundial, numa altura em que o espaço das ideias começa a ficar assombrado pelo princípio existencial que Jean-Paul Sartre enunciou em O Ser e o Nada (1943): “(...) somos uma liberdade que escolhe, mas não escolhemos ser livres: estamos condenados à liberdade”.
Violette Leduc, a escritora interpretada por essa actriz magnífica (e, afinal, tão mal conhecida) que é Emmanuelle Devos, emerge no belo filme de Martin Provost como uma figura dramática, porventura incauta, dessa conjuntura. Poderíamos considerar a presença de Simone de Beauvoir (Sandrine Kiberlain) como uma espécie de derivação afectiva do universo “sartriano”, mas corremos o risco de favorecer um simplismo simbólico que, além do mais, a realização de Provost recusa. O que se desenha na relação entre as duas mulheres é um mapa de interrogações e valores em que cada uma delas tenta saber como viver num tempo de profunda interrogação das identidades individuais e, em última instância, da identidade da própria França.
Violette Leduc atravessa tudo isso a partir da frase de abertura — “A minha mãe nunca me deu a mão” — do seu primeiro livro, A Asfixia (1946). Em todo o caso, o filme está longe de ser uma dessas ficções deterministas, tipicamente televisivas, em que a encenação do trabalho de quem escreve se reduz a um esquema de causa e efeito, em que o texto não passa da “transcrição” de uma determinada experiência de vida. Bem pelo contrário, o que perpassa neste filme de discreta intensidade é o modo como escrever não é “testemunhar” o viver, mas conduzi-lo a derivações formais que, de uma maneira ou de outra, o questionam e relançam.