sexta-feira, julho 18, 2014

Em conversa: Silva (2 / 3)


Esta é a segunda parte da transcrição de uma entrevista com o músico brasileiro Lúcio Silva (que assina apenas como Silva na hora de fazer discos e se mostrar em palco) que serviu de base ao artigo 'Um disco para ouvir outros rumos na música do Brasil' publicado na edição de 16 de julho do DN.

A canção pop nasce muitas vezes de forma mais intuitiva. No seu caso o que lhe deu a formação clássica para chegar à canção de outra forma? 
Lembro-me que os amigos que estudavam comigo e tinham algum talento para a composição tudo neles ia para uma parte muito tradicional. Pelo menos essa era a vivência na cidade onde morei. Eu sempre tive muita curiosidade... Sempre fui apaixonado por biografias. Li as biografias dos compositores de que gosto. E vi que neles havia uma preocupação comum em tentar entender o tempo em que viviam. Tinham essa coisa de querer trazer uma coisa nova, de marcar a época deles. E o que via quando estudava música clássica era que todos só olhavam para trás. Em pleno século XXI só falavam, de Mozart, Beethoven, Chopin e Rachmaninov. Que são maravilhosos... Mas eu ficava nessa crise... A própria música electrónica veio de pessoas muito eruditas... Não foi Madonna quem inventou a música electrónica! Eu tinha muita sede de aprender isso na faculdade e não havia ninguém para me ensinar. Então acho que fui quebrando muitos preconceitos que são comuns entre pessoas que estudam música clássica. Sempre gostei dessa coisa meio futurista de procurar fazer algo diferente. Então fui tentar. 

Mas além dessa vontade de refletir o presente a sua música olhou também para a forma da canção popular, que para alguns com formação menos... pop, também choca um pouco. Mas Philip Glass, por exemplo, fez o ciclo Songs From Liquid Days ao lado de músicos como David Byrne ou Suzanne Vega...
Sou apaixonado pelo Brian Eno, por exemplo... 

Musicalmente nota-se na sua obra um salto significativo do primeiro para segundo álbum. Agora há não só um trabalho na eletrónica mas também um uso clássico de metais em alguns arranjos, por exemplo... 
Sou uma pessoa essencialmente tímida. Então há coisas que tenho vontade de fazer que não me permito. Fico à espera do momento, se uma certa auto-confiança chegar primeiro. Mas acho que no primeiro disco estava num momento mais angustiado. O meu avô tinha acabado de morrer e eu era muito ligado a ele. Essas coisas pessoais influenciam-me muito. O que vivo afeta o meu humor. Nessa época estava a ouvir muito Burial, essas coisas de uma música electrónica bem dark... Essas coisas no Brasil são difíceis. Não há clima aqui para ouvir essa música assim. 

Nem toda a música do Brasil é festiva... 
É verdade. Adoro a cultura brasileira, é uma cultura muito diversificada. Mas fico um pouco em crise mas vende-se só um tipo de cor do Brasil. Como se o brasileiro acordasse sambando. É uma alegria muito gratuita. Eu não sou um brasileiro assim. Tenho os meus momentos nostálgicos e melancólicos. Por isso gosto daquela fase da bossa nova em que as letras eram super de "fossa"... Há umas tristezas... Aquelas letras do João Gilberto... Gosto dessa cara menos óbvia do Brasil. 

E o seu disco é um pouco isso... Um músico tem de representar um país? Um pouco como Dom La Nena (que, curiosamente, também tem formação clássica) a sua música também não é expressão desse Brasil mais vezes mostrado... 
Ela tem umas pitadas de Brasil, que acho interessante. Fica uma coisa assim charmosa.... 

O seu Brasil está onde? 
Está nas minhas infâncias musicais, certamente. Sou muito fã da música brasileira, sobretudo a mais antiga. Gosto muito de João Donato, do Chico Buarque... E coisa mais clássicas como Ernesto Nazareth e umas coisas.... Pixinguinha... Só que acho que hoje o nosso mundo está tão globalizado e a gente recebe informação o tempo inteiro de bandas da Suécia, da Noruega, da Nova Zelândia... Aparecem coisas tão interessantes que não faz sentido ficar a levantar a bandeira do seu país... Assim: eu sou brasileiro, faço samba e acabou... Não é mais preciso. Acho que o mais interessante deste mundo interligado é cruzar isso tudo.

(continua)