quinta-feira, julho 17, 2014

Em conversa: Silva (1 / 3)

Esta é a primeira parte da transcrição de uma entrevista com o músico brasileiro Lúcio Silva (que assina apenas como Silva na hora de fazer discos e se mostrar em palco) que serviu de base ao artigo 'Um disco para ouvir outros rumos na música do Brasil' publicado na edição de 16 de julho do DN.

Talvez começar pelo início (para quem o não conhece ainda)?... Quem é o Lúcio e de onde vem?
Sou de uma cidade pequena, Vitória. Estudei aqui música a vida toda. A minha mãe é professora de música na Universidade do Espírito Santo. Sempre convivi com música, a relação com a música veio de muito cedinho. Fui obrigado a estudar violino... 

E gostava?
Violino no começo é uma tragédia até conseguir tirar um som bonito. Lembro que não gostava, mas foi bom e a minha mãe obrigava-me. Hoje agradeço. Tive muita vivência musical. Toquei em orquestras durante muito tempo. Participava nas bandas dos meus amigos, mas tudo por aqui mesmo. E aí um dia resolvi, tinha uns 19 anos, ir para a Irlanda. Fiquei em Dublin um ano e meio. E isso mudou muito a minha cabeça. Decidi que não queria mais esta carreira de concertista. 

Havia obras ou compositores que mais gostasse de tocar nessa fase?
Vários... Eu também fiz piano clássico e fiquei bem apaixonado pelo pós-romantismo. Ravel, Satie principalmente. E estes europeus mais recentes como Arvo Pärt. Adoro os minimalistas. 

O que descobriu na Irlanda que o fez procurar outros caminhos?
As pessoas são completamente diferentes. O humor é diferente. São menos dramáticos que os brasileiros, mas não são frios. Têm a sua maneira diferente de lidar com os sentimentos. Isso para mim foi a principio chocante. Mas a minha cabeça musical mudou muito na Irlanda. Foi em 2009. Lembro que o dubstep estava muito em alta. Bandas com influências de música eletrónica... Comecei a ouvir muita música electrónica e isso lembrou-me muito a composição minimalista clássica. Gostei muito de Four Tet. Não era aquela coisa da canção clássica. Há uma estrutura diferente do que é comum. E quis integrar nisso as minhas coisas. No começo, no Brasil, tinha umas composições assim muito singelas. Muito canção comum, mas não queria isso para mim. Queria agregar uma coisa diferente. Eu ainda tenho muito chão pela frente. Acho que isso me mudou e quero chegar. Não quero parar de estudar, talvez faça um mestrado em composição, uma coisa assim para não ficar estagnado.

Acabou por regressar ao Brasil. Voltou diferente, pelos vistos...
Voltei para o Brasil e trouxe alguns equipamentos, que no Brasil são muito caros. Os impostos são altíssimos. Esses equipamentos aqui são uma coisa de luxo. Sintetizadores, drum machines... Eu não teria condições de comprar isso tudo aqui no Brasil. Fui juntando um dinheiro em Dublin, comprei os equipamentos e trouxe para cá. Foi em 2010 e fiquei quase um ano a trabalhar. Ainda estava na faculdade, no curso superior de violino. E m 2011 lancei um EP na Internet e as coisas começaram a acontecer. Aí a editora me procurou... O curador do Sonar convidou-me para tocar e eu nem sequer tinha equipamento para fazer um show... Assinei contrato com a editora e comecei a preparar o show para o Sonar. Aí veio o primeiro disco em 2012. E fiquei um ano a tocar esse disco. No final de 2013 fui para Portugal e aproveitei por ficar um tempo aí.
(continua)