sexta-feira, julho 04, 2014

Em conversa: João Vieira (White Haus) (2)

Foto: Luís Espinheira
João Vieira, que em tempos descobrimos como DJ Kitten em noites que eu (como tantos outros) vivemos no Porto – ali perto da viragem do milénio – e que durante anos fez também carreira nos X-Wife aproveitou um tempo de pausa para se apresentar com um novo projeto. Chamou-lhe White Haus e acaba de lançar um disco onde deixa claras as ideias que resolveu aqui explorar. Este é o segundo excerto de uma entrevista que serviu de base ao artigo ‘A hora de dar vida a um projeto adiado’ apresentado na edição de domingo, dia 29 de junho, do DN.

O que há de novo e o que há de memórias entre a música que estimulou este álbum que edita como White Haus?
Este é um disco pessoal, fala de muita coisa, tem muitos universos imaginários e outros autobiográficos. Sinto que já vivi muita coisa, já conheci muita gente, já vivi noutras culturas e experienciei muita coisa boa e má. A vantagem dos 40 é poderes aplicar toda essa informação e todas essas histórias naquilo que fazes mas estando sempre atento ao presente e a pensar no futuro, não sou muito de nostalgias, tenho os meus momentos mas acredito que o caminho é estar atento, criar e andar para a frente e aprender, aprender sempre... O que há de novo? Música que estou a descobrir agora, que me inspira. Podem ficar chocados mas o ultimo álbum de Kanye West é algo de muito inspirador. O Another green world do Eno e a fase de Berlim de Bowie e de Iggy Pop, os Human League e os Pulp, música das cidades industriais de Shefield, Manchester, da Alemanha de Leste, Brooklyn, Nova Iorque dos 70s, a 99 records, o leftfield disco e o house de Detroit... Eu movo-me por todas essas referências mas posso ouvir uma banda punk alemã de 79 que me inspira para uma atmosfera qualquer e me leva para outros caminhos. Penso que o álbum é uma prova disso. 

Pensar música para o palco ou sem ter o palco por meta define por si só caminhos distintos?
Sim define e muito, quando criei White Haus a ideia era ser um one man show mas deixei me levar e percebi que seria praticamente impossível de o conseguir fazer ao vivo e é aí que surge a o formato "banda". Mas aí é que tem piada criar desafios, fazer algo com uma intenção e perceber que afinal o caminho é outro... 

A internacionalização de discos como este continua a ser difícil? E foi tentada com X-Wife?
Internacionalização é (posso dizer um palavrão)? Ok, a internacionalização é como tirar um doce da boca de uma criança, está sempre muito perto. Há sempre muito interesse, trocam-se emails, fala-se por skype, marcam-se reuniões mas depois quando está quase... Tudo cai, aconteceu várias vezes... Os X-Wife tentaram porque sentiram interesse de lá de fora, primeiro dos blogs e rádios americanas, depois do James Murphy dos LCD Soundsystem, Soulwax, Cansei de Ser Sexy e muitos outros. Numa critica ao disco de White Haus numa loja de discos de Nova Iorque, o crítco diz não perceber porque é que os X-Wife nunca furaram lá fora... Eu aho que sei porquê, porque éramos daqui e quer se queria quer não isso será sempre um entrave para bandas/artistas que não façam world music ou música de dança. Nós éramos uma banda de um país que não exporta bandas de guitarras. É duro de ouvir mas que banda de guitarras Portuguesa furou na América? Se vivêssemos em Brooklyn em 2004 acredito honestamente que em menos de um ano teríamos um contrato discográfico. Acredito porque éramos (e penso que ainda somos) uma boa banda ao vivo e o timing era perfeito. A internacionalização é dificil por não estares num ponto estratégico a meu ver... É difícil exportar musica de cá, é difícil. Contam-se pelos dedos de uma mão os projectos nacionais com sucesso lá fora (não falo de fado e world music).

Londres voltou alguma vez a ser uma hipótese para viver e trabalhar? E o Porto, o que tem de mais estimulante para quem faz música?
Londres é "no country for old men", com mais de 23 anos já não te querem. São assim os anúncios no NME à procura de músicos para bandas (18-23 only) aos 27 és o avô Simpson. Por isso passo Londres, acho que desta vez optaria por uma outra cidade.  O Porto é estimulante porque há muita gente nova a fazer muitas coisas interessantes, há uma geração de gente que faz, que quer criar, há uma cena de sangue fresco com talento e em sintonia com cidades europeias de referência nas artes musicais e não só. O Porto cresceu e oferece muito, talvez até demasiado o que leva ao ponto da exaustão e da dispersão, não tem capacidade para tanta oferta. A cidade deveria ser mais unida, devia haver mais espirito de comunidade. É uma cidade que me oferece muito, eu sou daqui e isso às vezes pode ser um problema, se não tivesse nunca saido desta cidade, o club kitten nunca teria tido o sucesso que teve isto porque era um corpo estranho numa cidade que em 2001 se passava muito pouco e as pessoas ainda se deslumbravam com algo vindo de fora com novas formas menos politicamente correctas de fazer as coisas. Agora é um pouco como um casamento longo e não o namorado rebelde que tornava tudo mais excitante. Agora é mais ténue.

Ser músico aos 20 e poucos anos e aos 40 o que tem de mais diferente?
Eu sei que é contraditório mas agora a pressão é outra. Aos 20 tens uma urgência em fazer as coisas, queres fazer tudo até aos 25 e não podes chegar aos 30 sem já ter editado alguma coisa ou ter alcançado algum sucesso. Aos 40 fazes as coisas com outra calma. Eu já fiz muita coisa e agora faço-o com menos pressão, menos preocupado mas sempre perfeccionista, gosto de fazer as coisas mas gosto de as fazer bem. O mais importante é ter a noção e não cair no ridículo, saberes a idade que tens e sentires que o que fazes te faz sentir bem e não é uma tentativa de ter 20 anos e de regressar ao passado, sei onde estou e sei para onde quero ir e o caminho é para a frente.

Leia aqui a primeira parte da entrevista.