Sem ignorar talentos maiores, nascidos em territórios da ex-URSS (como os vivos Silvestrov, Kancheli, Gubaidulina, Pärt ou Kissine, todos eles com parte da sua obra criada antes do virar do milénio), a história “russa” da música do século XX é frequentemente dominada por referências a Shostakovich e Prokofiev, havendo quem (felizmente) não se esqueça de a eles juntar Schnitttke. O mapa não ficaria contudo completo sem a referência a Mieczyslaw Weinberg (1919-1996), compositor de origem polaca mas que adotaria nacionalidade soviética e ali faria a sua carreira. Nascido no seio de uma família judia polaca de Varsóvia, Weinberg completara uma primeira importante etapa dos estudos musicais em 1939 pouco antes do eclodir da II Guerra Mundial. Ao contrário da família, que optou por permanecer na Polónia (sendo depois encarcerada no gueto de Lodz e morta no campo de concentração de Trawniki), Weiberg refugiou-se na URSS, vivendo parte da Guerra no Uzbequistão. Depois de conhecer Shostakovich, de que seria um dos seus mentores e amigos, mudou-se para Moscovo. Escapou por pouco ao regime de Estaline, tendo Shostakovich sido força determinante em seu favor. A sua música não seria nunca parte do espaço musical aclamado pelo regime, tendo o compositor dividido o seu trabalho, em várias etapas da sua vida, entre a escrita para teatro e cinema e atuado frequentemente como pianista. Residindo em Moscovo muito perto de Shostakovich era com ele que ia trocando ideias, pela sua música (sobretudo a orquestral) ecoando sinais de primeiras heranças desse que foi um dos maiores sinfonistas do século XX. Quase ignorado em vida, Weinberg é um nome que tem ganho algum reconhecimento e notoriedade nos últimos anos, a sucessão de edições discográficas que têm surgido estando, aos poucos, a revelar muita da sua obra de música de câmara e orquestral e, inclusivamente, a ópera. E vale a pena acompanhar o que os catálogos da Chandos, Naxos e Neos (que criou mesmo a série ‘Weinberg Edition’) têm feito pela divulgação de uma obra que não merecia o silêncio a que quase esteve votada.
No brilhante texto que acompanha este novo lançamento da ECM Wolfgang Sandner fala de Weinberg como alguém que usou a arte para sobreviver e aponta-o como alguém que teve de enfrentar as “esquizofrenias” do sistema soviético. Contudo, e distinguindo-o assim do amigo Shostakovich, Sandner nota um sentido de otimismo que caracterizava a personalidade de Weinberg, mesmo expressando muita da sua música um tremendo sentido de melancolia. Teve obras silenciadas, sobretudo no período que se segue à Guerra e antecede a morte de Estaline. O declínio reativo do domínio do “realismo soviético”, que chega mais tarde, assiste ao florescer de alguma das suas obras mais marcantes (o que acontece entre as décadas de 60 e 70).
Data desse período a Sinfonia nº 10 (de 1968) que é uma das peças centrais desta edição que tem protagonismo do violinista Gidon Kremer (e a Kremerata Baltica). É um disco que procura surpreender (pela música) e divulgar (pela diversidade que peças que recolhe e pelo texto que o acompanha). Apresentado num formato de CD duplo, divide atenções entre quatro obras de música de câmara que apresenta no disco 1 (três delas de finais dos anos 40, a quarta datando de 1979) e a obra orquestral que domina o alinhamento do segundo disco. Esta é mesmo a peça central do alinhamento, revelando em Weinberg uma força capaz (como se notou em obras de Prokofiev e Shostakovich) de partilhar heranças comuns às mudanças da revolução russa mas sabendo, nas entrelinhas, expressar personalidade e resistência à ditadura de ideias que o sistema depois impôs.