terça-feira, junho 24, 2014

Para acabar com as dúvidas
sobre o talento de Xavier Dolan

Este texto surgiu na edição de 30 de junho do DN com o título ‘A prova de maturidade de um jovem talento do nosso tempo’.

Poucos cineastas se podem gabar de, com apenas 25 anos, ter visto quatro das suas cinco primeiras longas-metragens a ser estreadas em Cannes, a quinta tendo competido em Veneza (e de lá saindo com o Prémio Fipresci). Ele chama-se Xavier Dolan. É canadiano, nasceu em 1989 e acaba de ver estreado nas salas portuguesas o filme Tom na Quinta (poucas semanas depois de Cannes ter dado o Prémio do Júri a Mommy, que assinou depois deste que agora está entre nós).

Ao contrário do anterior Laurence Anyways (reflexão de grande fôlego sobre questões de identidade de género com brilhante interpretação de Melvil Poupaud e nomes como os Depeche Mode, Duran Duran ou Visage na banda sonora), em Tom na Quinta Xavier Dolan volta a ser ator protagonista de um filme por si realizado. Foi-o logo em J’ai Tué Ma Mère (2009), pungente retrato do relacionamento conflituoso de um filho com uma mãe. E repetiu o sistema em Amores Imaginários (2010), o primeiro dos seus filmes a ter estreia entre nós.

Com antestreia nacional na noite de encerramento da edição 2014 do IndieLisboa, Tom na Quinta representa uma clara demanda de outros caminhos para o cinema de Dolan. Depois de abordar três situações de amor impossível, desta vez mostra como ele floresceu, apenas a morte tendo depois colocado um inesperado ponto final na narrativa que serve de ponto de partida para a ação. Tom (interpretado por Dolan) é um jovem urbano que chega à quinta onde vivem a mãe e irmão de Guillaume, o namorado, que morreu. Chega para o funeral. E repara que ninguém sabe ali sobre a sua vida e a de Guillaume. E vê-se obrigado a subjugar-se às intimidações do irmão, figura violenta e de personalidade instável que guarda segredos de um passado que a pequena comunidade rural não esqueceu.

Baseado na peça de teatro homónima de Michel Marc Bouchard, Tom na Quinta é, apesar desse berço num texto, o menos verborreico dos filmes de Xavier Dolan, os choques e tensões que antes explorava sobretudo através dos diálogos cedendo agora vez a um clima de violência latente, por vezes até mais calada que falada e que o ritmo tranquilo das imagens ainda mais vinca por contraste. Inicialmente voltado para deixar os silêncios bem claros na composição sonora do filme, Dolan optou contudo por encomendar uma banda sonora original (foi a primeira vez que o fez), cabendo a tarefa a Gabriel Yared, que criou momentos de placidez pastoral para orquestra que sublinham outra das marcas de novidade no cinema do realizador canadiano (que tinha usado nomes como os Crystal Castles, Vive La Fête, The Knife ou Fever Ray em filmes anteriores). Apenas nos créditos finais a pop (que era até aqui uma presença inevitável em Dolan) ganha visibilidade, ao som de Going to a Town de Rufus Wainwright.

Sem os desejos de citação que surgiam em Amores Imaginários nem a ambição colossal (mas bem gerida) de Lawrence Anyways, Tom na Quinta pode representar o arranque seguro de uma nova etapa no cinema de Dolan. Menos ostensivo, mais firme, Dolan ganha aqui outra dimensão.

Podem ver aqui o trailer do filme.
E aqui podem recordar o teledisco de Going To a Town, de Rufus Wainwright.