terça-feira, maio 20, 2014

Michael Jackson em holograma

Que dizer do holograma de Michael Jackson, "interpretando" a canção Slave to the Rhythm nos prémios da revista Billboard? A pergunta talvez se possa formular de modo mais conciso. A saber: quando nos apresentam Michael Jackson em holograma, o que é que vemos, o que é que ainda estamos a ver?


Nada a ver, entenda-se, com a estupidez desses "debates" cíclicos que agitam a superfície mais superficial do jornalismo "social", sempre que alguém descobre que uma foto foi manipulada... Será que ignoram em absoluto que, desde as técnicas mais primitivas da revelação química até às mais modernas intervenções digitais, a fotografia sempre foi uma área de manipulação?
Enfim, evitemos agravar o simplismo com mais simplismo — claro que a manipulação dos olhos de uma estrela na capa de uma qualquer revista de "celebridades" não é exactamente o mesmo que a supressão, nas imagens oficiais do estalinismo, das figuras caídas em desgraça (e que, em vários casos, Estaline já se tinha encarregado de fazer desaparecer de forma consideravelmente mais extremada).
Não é isso que está em causa. O que está em causa é a preservação (?) de uma figura do espectáculo, não através das imagens que dele existem, mas gerando novas imagens que são reinvestidas, de forma totalizante, em dispositivos específicos desse mesmo espectáculo.
Aquilo a que, aqui, assistimos é ao triunfo pleno do simulacro (como não evocar Baudrillard?), já não como artifício interior ao espectáculo, mas como matéria única, tendencialmente unívoca, do próprio espectáculo. Na prática, o que se desvaloriza é, por certo, a riqueza e complexidade da herança (visual & musical) que Jackson nos legou — mas é também a singularidade do nosso olhar, já que algo nos quer levar a acreditar que olhar para o vazio não atrai o vazio do olhar.