domingo, abril 13, 2014

Três meses, três discos (clássica)


Continuando a fazer um balanço do que marcou os três primeiros meses do ano, hoje passamos pelas edições de discos de música clássica. Em comum os três títulos que destaco partilham o facto de serem lançados pela mesma editora – a Deutsche Grammophon – um deles sendo contudo uma antologia. Começo por destacar o álbum que tem como protagonista Bryce Dessner, músico que até aqui conhecíamos sobretudo através do seu trabalho nos The National e que a uma obra sua junta uma outra de Johnny Greenwood, guitarrista dos Radiohead que tem também trabalhado em música para cinema.

Sobre este disco escrevi aqui: “Apesar de uma certa tradição autodidata que domina muitas das histórias pessoais de tantos músicos em terreno pop/rock, a verdade é que tanto Bryce Dessner como Johnny Greenwood têm formação clássica. Bryce tem na verdade um mestrado em música em Yale e durante a sua formação encontrou importantes referencias em obras de figuras como Morton Feldman ou Steve Reich. Além do trabalho com os The National tem também colaborado com os Bang on a Can e o Kronos Quartet. O seu St Carolyn by the Sea (título inspirado pela escrita de Kerouac), que aqui se apresenta em gravação pela Orquestra Filarmónica de Copenhaga, dirigida por Andre de Ridder é uma obra orquestral de grande fôlego que cruza heranças que cão dos românticos a espaços da música orquestral do século XX (de Bartók a Glass) e, sem abdicar da presença da guitarra (na verdade há duas guitarras em cena – interpretadas por si e pelo seu irmão Aaron – e são mesmo a medula desta obra originalmente encomendada como um concerto para duas guitarras elétricas para a American Composer’s Orchestra) nem de um interesse pela melodia, expressa personalidade e demarca-se dos territórios habitualmente por si visitados nos The National. Johnny Greenwood, por seu lado, explora aqui uma derivação direta do seu trabalho de composição para cinema, apresentando uma suite baseada na música intensa e cromaticamente rica, herdeira tanto de Ligeti como de Predrecki, que criou para o filme Haverá Sangue, de Paul Thomas Anderson.”

Depois vale a pena assinalar a estreia mundial de The Passion Acording To The Other Mary, uma obra coral nova de John Adams, numa gravação pela Los Angeles Philharmonic, sob direção de Gustavo Dudamel.

Deste álbum disse aqui que: “A obra tem como base um libreto assinado por Peter Selllars, colaborador regular de John Adams (peça central em Nixon in China, a primeira ópera do compositor, estreada em 1987). Sellars juntou textos de origens diversas, passando por autores como Dorothy Day, Louise Erdrich, Primo Levi, Rosario Castellanos, June Jordan, Hildegard von Bingen ou Rubén Darío, além claro está das palavras do Velho e do Novo Testamento. A oratória foca atenções na Paixão de Cristo, mas procura um ponto de vista algo diferente escutando sobretudo as vozes de duas mulheres (...), nomeadamente Maria Madalena e Marta, a irmã de Lázaro. Musicalmente a oratória segue os caminhos estimulantes que a música orquestral e vocal de Adams tem seguido nos últimos anos, aliando um belíssimo trabalho do canto a uma noção de espaço acolhedor (e capaz de suportar intenções dramáticas) na cenografia ao seu redor, apesar de pontualmente revisitar ecos mais próximos das heranças minimalistas da sua obra nos oitentas no modo como usa ocasionalmente figuras repetitivas. Num dos momentos de clímax dramático uma aproximação a formas ligetianas contribui para novo alargamento das linhas e cores com que a música de Adams aqui se renova e desafia”.

A terceira referencia surge com o primeiro volume de uma recolha antológica das gravações de Leonard Bernstein para a editora, numa caixa com 59 CD e um DVD.

E sobre esta caixa escrevi aqui: “Há antologias e antologias... Mas esta bate as demais aos pontos. Não apenas pela dimensão (inclui 59 CD, um DVD, um livro, e tudo isto numa caixa com as dimensões da capa um álbum de vinil), como também pelo protagonista que coloca na berlinda e a vastidão de obras (épocas e formas) que as gravações aqui documentam. Apresentada como The Leonard Bernstein Collection – Volume One, esta caixa antológica enceta assim uma revisão do catálogo que o compositor e maestro norte-americano registou no período em que esteve ligado à Deutsche Grammophon (sendo importante referir aqui que outra etapa significativa do seu percurso discográfico foi registada pela Columbia Records, etiqueta hoje integrada na Sony Music).”