domingo, abril 06, 2014

Tele-contraditório

De que falamos quando falamos do contraditório televisivo? — esta crónica foi publicada na revista "Notícias TV", do Diário de Notícias (4 Abril), com o título 'Elogio do contraditório'.

1. Há qualquer coisa de patético no modo como a ideologia televisiva dominante promove a célebre noção de “contraditório” — é uma maldição aparentemente sem cura, consolidada ao logo de várias décadas. Por vezes, parece mesmo que se trata de definir o bom jornalista, não apenas pela má educação, mas sobretudo pelo espírito medieval de inquisidor. O que assim se recalca é a necessidade de discutir o contraditório inerente ao próprio jornalismo. Que é como quem diz: há muitas maneiras, não necessariamente cúmplices, de ser jornalista. Além do mais, ser jornalista não é uma caução de impunidade moral com que se apascentam as culpas dos outros.

2. No final da derrota do Chelsea no terreno do Crystal Palace, José Mourinho condensou as suas declarações em três pontos: primeiro, o Chelsea foi a pior equipa em campo; depois, mostrou sérias limitações nas jogadas de ataque; finalmente, a sua equipa alienou as hipóteses de se sagrar campeã. Além do mais, o treinador português deslocou-se à cabine do Palace, cumprimentando o treinador Tony Pulis e os seus pupilos pela vitória alcançada. Esperemos, por isso, que o próximo comentador que quiser traçar um retrato de Mourinho como demoníaco arquitecto de “mind games” tenha o bom senso de o fazer no recato do seu quintal.

3. Na sua reportagem sobre o árbitro Pedro Proença, o jornalista Nuno Luz (SIC) utilizou algumas imagens de raro valor pedagógico. Qualquer ser humano tocado por um mínimo de razoabilidade terá percebido, através de tais imagens, que a visão específica de um árbitro durante um jogo se rege por escalas e parâmetros totalmente alheios às matérias de um qualquer directo televisivo, desse modo reduzindo a pó os discursos que, todos os dias, insistem em transformar o futebol numa gritaria de premeditações e golpes de estado. Não será suficiente para vencer a guerra contra os fanatismos de todas as cores. Mas foi uma batalha ganha — e com justiça, como gostam de dizer os comentadores do futebol.