Apesar do trabalho para cinema ter uma mais extensa expressão na discografia de Eleni Karaindrou, a sua obra para teatro não é menor. A sua mais recente edição representa, de resto, a sua segunda experiência com Eurípedes, depois de umas Troianas, que chegara a disco em 2001 como Trojan Women. Resultado, tal como As Troianas, de uma encenação de Antonis Antypas (marido da compositora), Medeia cruza ecos de experiências (e sonoridades) remotas com as vozes de instrumentos de sopro e cordas, entre o arcaico e o contemporâneo estabelecendo-se uma vez mais as pontes que são característica marcante na música de Eleni Karaindrou.
Fazer música para teatro “é um pouco diferente, porque é uma criação que se faz aos poucos”, explica a compositora, referindo-se a um trabalho que, para si, parte do texto. “Se é Shakespeare ou Tchekov é preciso ter em conta a época e, no fundo, encontrar a chave para o autor.” Mas depois, acrescenta, “é preciso ter também em conta o encenador, porque cada um aborda o texto à sua maneira e tem sensibilidades próprias”. Observa a cenografia, as cores, vai a muitos ensaios, “ao contrário do cinema”. Para si o cinema apela sobretudo “à intuição, imaginação e inteligência do compositor”. Em teatro, por sua vez, “é preciso estar mais atento a todos os elementos e aí a música surge mais tarde”.
Medea, que assinala um reencontro da discografia de Karaindrou com o teatro, é a sua nova edição pela ECM; editora à qual está ligada desde finais dos anos 80 e com a qual encontrou um raro patamar de entendimento. “Foi um grande encontro”, caracteriza, sublinhando que tudo na sua vida “aconteceu por si mesmo”. Em 1986 tinha encontrado a ideia musical para o filme O Melissokomos, mas não sabia que instrumentos usar. “E aí pensei no som de Jan Garbaerek, que me acompanhava há já três ou quatro anos”, conta. Falava em concreto de “uma cassete que tinha e escutava muito”, com “uma música com algo profundo e também contemporâneo”. Havia um tema no álbum Places de que gostava em particular e mostrou-o a Angelopoulos. “Apesar de ser longe lá fui a Oslo, onde Jan escutou o tema e o tocou no seu saxofone”, recorda. E esse foi, confessa, um grande momento na sua vida.
Foi através dele que chegaria depois àquela que era já a editora do saxofonista norueguês, “a sua família”, como ele mesmo o disse à compositora. Manfred Eicher, patrão e alma da editora, é um cinéfilo e, confirma a compositora, “gostava do cinema de Angelopoulos”, pelo que já havia escutado a sua música. Em 1988 Eicher viu o registo em vídeo de um concerto de Eleni Karaindrou em Atenas, onde esta tocou Landscape in the Mist, “um adagio”. Foi a gota de água e quis então fazer um disco em conjunto. Em 1989 ele mesmo foi à Grécia, “fez uma seleção de músicas” e assim nasceu Music for Films, a sua primeira edição na ECM. “Até aí eu era a produtora dos meus discos, fazia as misturas, tudo... Quando vi o Manfred gostei da sua maneira de trabalhar, o seu gosto, a estética, a paixão com que trabalha.” Juntos já fizeram 12 discos e hoje a música de Eleni Karaindrou é mesmo uma das referências do catálogo da editora.
Uma das mais aclamadas forças criativas da música grega do nosso tempo, Eleni não saiu do pais apesar do clima de instabilidade que se vive hoje na Grécia. “Nós pagamos pelos disparates dos políticos”, comenta. “Apesar de tudo, da crise, dos problemas das pessoas, que são enormes, penso que há uma chama. Sou criadora e há sempre uma chama de criação”, defende, revelando-se uma otimista, embora preocupada com a expressão presente da extrema-direita nas intenções de voto no seu país. “Angelopoulos previu tudo isto”, adverte. “Como tantos outros artistas a sua visão tinha algo de profético. E o último filme, que não chegou a terminar, tratava da falibilidade dos políticos, naturalmente na sua linguagem poética. Li o argumento e era muito forte. Falava de gente que fazia tudo em nome do dinheiro.” Eleni diz que “no fim as forças do bem acabarão por vencer”. Se escutarmos a sua música, entre os silêncios, os ventos, a liberdade, esse sentido de esperança é sempre uma força maior que anima até os momentos mais melancólicos que por vezes nos tem mostrado.