domingo, abril 20, 2014

Há vikings em Londres! (parte 4)


Continuamos a publicação de um texto sobre a exposição ‘Vikings: Life and Legend’, patente no British Museum, que foi originalmente publicado no suplemento Q. do DN de 12 de abril com o título ‘Para acabar com a visão romântica dos vikings’.

A peça central (e sem surpresa a mais mediatizada) da exposição é um grande navio de guerra, que domina a sala que encerra o percurso. O navio hoje conhecido como Roskilde 6 foi construído por volta do ano 1025 e perdido talvez uns 30 anos depois num naufrágio. Foi redescoberto em 1996 por alturas da construção de uma estrutura museológica na área portuária de Roskilde, localidade costeira dinamarquesa (muitas vezes citada internacionalmente pelo festival de música que acolhe anualmente). Foi contudo ligeiramente danificado antes de se dar conta de que as madeiras ali estavam soterradas. Esta é a maior embarcação viking alguma vez descoberta, com uma extensão reconstruída de 37 metros, montada numa estrutura metálica. O Roskilde 6 corresponde às dimensões maiores historicamente esperadas para um navio viking. Do navio o que chegou aos nossos dias foi um fragmento de uma secção do fundo e quase 32 metros da sua longa quilha.

Usando várias técnicas, entre as quais as usadas em dendrocronologia (4), o navio foi não apenas datado, como deu a saber de onde provinham as árvores de cujas madeiras é feito. Calcula-se assim que as madeiras ali usadas tenham sido cortadas entre 1018 e 1032, o ano 1025 sendo a média que se entendeu assim usar, explica Jan Bill num pequeno subcapítulo sobre o navio em Vikings Life and Legend. Os padrões de crescimento dos troncos fazem supor que as origens destas madeiras estejam algures na região do fjord de Oslo.

Apenas um quinto do casco chegou aos nossos dias, ao contrário do mastro e vela, que desapareceram completamente. Os fragmentos permitiram mesmo assim uma reconstrução, que ganha materialidade na estrutura que domina a sala e nos vários desenhos e animações que podemos consultar em ecrãs que ali encontramos. A reconstituição do Roskilde 6 apresenta um navio de 37,27 metros de comprimento, boca (ou seja, a secção transversal) de 3,99 metros e uns meros 83,5 cm de calado (a profundidade do ponto mais baixo da quilha). As madeiras usadas são de carvalho.

Segundo explica Jan Bill, “fontes na era viking tardia raramente mencionam as dimensões dos vários tipos de navios”. Algumas sagas de reis, acrescenta, contam que a bordo dos grandes navios de guerra (como este) haveria entre 30 e 60 pares de remos. Bill observa contudo que, quando Snorri Sturluson (5) redigiu estas sagas (no século XIII), os “navios de guerra eram consideravelmente maiores que nos tempos dos vikings e que, talvez, Snorri exagere um pouco”.

O homem para quem este navio foi construído era muito possivelmente alguém da elite ou da Noruega ou Dinamarca. São conhecidos os nomes dos reis e dos nobres viking deste tempo. Mesmo assim, adverte o livro, “é dificil sugerir quem possa ter sido o seu proprietário”.

Na mesma altura em que a Dinamarca e as regiões meridionais da Suécia estavam sob a mão do rei Cnut (6) e a Noruega era governada por Olaf II Haraldsson (7) (que mais tarde seria canonizado). As forças militares dos dois estadistas foram protagonistas de um encontro determinante no rio Helge, algures entre os anos 1025 e 1026. Enfraquecido nesta batalha, Olaf seria derrorado por Cnut em 1028, fugindo o rei norueguês para as terras do seu irmão, o príncipe de Kiev e Novgorod. A incerteza quanto à data precisa em que o Roskilde 6 foi construído não permite, diz Jan Bill, saber ao certo se quem o mandou construir foi Cnut ou Olaf. “A reação às pretensões de Cnut sobre o trono norueguês foi a de conduzir uma guerra anfíbia contra a Dinamarca, o que seria mais que uma razão para construir um navio deste tipo”, explica o livro. Porém, se o navio foi construído depois de 1028, “facilmente terá sido mandado fazer por um dos aliados de Cnut ou por ele mesmo”. De resto, e neste último caso, “usar a madeira de florestas de reis conquistados para fazer um navio tão magnífico teria sido como uma mensagem cujo significado não teria passado despercebido pela elite da época, para quem a honra e o domínio das artes do mar eram tão importantes”, acrescenta o texto. Mas mais difícil que pensar quem terá sido aquele que mandou construir o navio será, lembra ainda em remate, calcular o que o terá levado a Roskilde, onde ficou desde então.

A escavação arqueológica em Roskilde, que decorreu entre 1996 e 97, recuperou cerca de 200 peças, muitas delas partidas, que entretanto foram recuperadas e justapostas depois para construir os fragmentos maiores que vemos na exposição. A reconstrução do navio foi feita sob a coordenação do arquiteto Morten Gothche, do Museu do Navio Viking em Roskilde (o Vikingeskibs Museet), que pensou também a estrutura sobre a qual os fragmentos que chegaram aos nossos dias estão agora apresentados. A estrutura, como descreve Kristiane Straetkven, “dá a melhor ideia possível de como teria sido a aparência do navio”.

Com o navio termina a visita e com ela um olhar novo e informado sobre a idade dos vikings. O fim deste período é apontado a uma altura em que os reinos da Dinamarca, da Noruega e da Suécia ganham uma individualidade mais evidente, e já sob o estabelecimento do cristianismo como a fé dominante na região. A batalha de Hastings, em 1066, é igualmente vista como um momento de derrota, a juntar ao fracasso do estabelecimento de um povoamento no Canadá e à disrupção de rotas comerciais no Médio Oriente. Mas mais que explicar como tudo começou e acabou, Vikings Life and Legend é a história do que aconteceu entre esses momentos. O durante, sem os ingredientes que o romantismo juntou à história. Mas sem esquecer que dele nasceu o fascínio que hoje leva a cada novo dia uma enchente àquelas salas do British Museum.

(4) Método de datação que usa os anéis dos troncos das árvores para saber a sua idade. 
(5) Snorri Sturluson (1179-1241) Historiador, poeta e politico islandês. É o autor de alguns dos mais importantes textos de referência da mitologia nórdica. Crê-se que seja o autor da saga sobre a vida de Egill Skallagrímsson, um poeta e agricultor viking do século X, e que se pensa ter sido escrita em 1240. 
(6) Cnut, o Grande (ca. 985 – 1035) De origem dinamarquesa e eslávica, foi rei da Dinamarca, Noruega, Inglaterra e parte da Suécia. O seu vasto império desmoronou-se e acabou divido depois da sua morte.
(7) Olaf II Haraldsson (também conhecido como Olavo II, da Noruega) (995-1030). Foi canonizado como Santo Olavo dez anos depois da sua morte, na baltalha de Stikle