sábado, fevereiro 08, 2014

"Libération": ser ou não ser um jornal

Eis uma manchete que fica para a história: "Nós somos um jornal". Quem o proclama é um... jornal, esclarecendo que a sua identidade não pode ser confundida com "um restaurante", uma "rede social", etc.
A situação é necessariamente complexa — e especificamente francesa —, não justificando qualquer generalização redutora, muito menos alguma conclusão panfletária. Acontece que os jornalistas do Libération receberam com perplexidade e indignação um projecto de reconversão apresentado pelos principais accionistas do diário parisiense (Bruno Ledoux, Edouard de Rothschild e o grupo italiano Ersel). A pretexto de uma queda significativa de vendas [ver análise: Le Monde], pretende-se evoluir para uma plataforma de "conteúdos" (sic) que se traduziria, inclusive, numa radical reconversão arquitectónica do espaço (4500 m2) em que funciona a redação, na rue Béranger. O resultado é uma "guerra aberta" no cerne da qual se encontra um drama a que não podemos deixar de reconhecer uma enorme actualidade simbólica: "Anuncia-se um enorme conflito no seio do Libération, onde os accionistas querem transformar o jornal, nascido há 40 anos, em rede social e espaço cultural, em que o papel já não será a prioridade".

* * * * *

Para além das nuances financeiras da situação e das componentes ideológicas do Libération, o futuro do jornal joga-se, afinal, a partir de um drama — a preservação de uma cultura do papel — que, embora com inevitáveis diferenças, se exprime nos mais variados contextos.
Porque, escusado será sublinhá-lo, o que se discute ultrapassa, e muito, a questão prática do jornal impresso em papel "ou" do jornal disponível num espaço da Net. De facto, o que está em jogo é a preservação de uma cultura da escrita que não é praticável — em boa verdade, não é concebível — fora de componentes materiais de que o papel é, de uma só vez, a matéria visceral e o símbolo secular. Por isso também, o futuro do jornal fundado em 1973 — por um grupo de jornalistas e intelectuais em que se incluíam Jean-Paul Sartre e Serge July (director de 1974 a 2006) — envolve problemas e opções que, de uma maneira ou de outra, tocam toda a imprensa deste nosso séc. XXI.