sábado, fevereiro 08, 2014

A televisão e as suas praxes

PIERRE BONNARD
Interior
1913
A abordagem televisiva das praxes académicas tem sido marcada por um misto de especulação gratuita e obscena falta de tacto. Em boa verdade, nada disso é estranho a uma visão anedótica e instrumental da "juventude" que persiste muito para além deste assunto específico. Daí que importe, uma vez mais, discutir as linguagens com que se faz a televisão — esta crónica foi publicada na revista de televisão do Diário de Notícias (7 Fevereiro), com o título 'Praxes televisivas'.

Não quero simplificar a diversidade de pontos de vista que a discussão das praxes académicas tem suscitado. Apesar da irresponsabilidade boçal de momentos de debate ou reportagem (?), vozes menos dadas ao ruído pelo ruído têm-nos lembrado que nenhuma exaltação normativa nos conduzirá além das aparências.
Espantoso é o facto de, uma vez mais, nem que seja por absoluto vazio de pensamento, muitos discursos televisivos se colocarem na posição de quem ocupa um lugar privilegiado, neutro e intocável para produzir sermões sobre os males, reais ou imaginários, do nosso triste mundo. Aqui e agora, seria preciso reconhecer que não é possível discutir nenhum tema ligado à juventude sem passar pela discussão paralela da representação dos jovens em televisão.
Poderíamos começar pelas imagens dominantes dos jovens em muitos registos televisivos (e publicitários). Os modelos mais fortes definem-nos como patetas alegres, não poucas vezes enredados na estupidez humana da “reality TV” (observe-se a mediocridade existencial da MTV que, nas suas origens, foi uma poderosa força de transformação cultural). Em muitos programas, não necessariamente de “entretenimento”, os mais novos surgem reduzidos à imagem fútil de ursinhos amestrados de quem apenas se espera que encenem algum disparate cada vez que se coloca uma câmara à sua frente. Dito de outro modo: nas linguagens televisivas, o jovem é, quase sempre, uma personagem festivamente irresponsável.
Não é fácil lidar com isto, porque está sempre à espreita a violência cínica: “Então, você está a dizer que são as televisões que alimentam as praxes?” Nada disso, claro. Acontece que não é possível compreender os valores do nosso tecido social (ou a falta deles...) sem considerar o espaço televisivo como elemento fulcral na respectiva dinâmica. Em boa verdade, a televisão é também uma máquina de praxes figurativas e discursivas que promove, todos os dias, muitas formas maniqueístas de representar o mundo. Ignorá-lo será um gesto de patética ingenuidade. Ou uma calculada demagogia.