The Beatles
“Beatles Bootlegs 1963”
Apple Records (exclusivo iTunes)
4 / 5
22 de março deste ano assinalaram-se os 50 anos sobre o lançamento de Please Please Me, o primeiro álbum dos Beatles. Mal imaginávamos então que o ano não viveria apenas de evocações e que, chegados a finais deste mês, poderíamos ter entre mãos não só novos livros sobre os fab four, mas duas antologias de gravações inéditas que assim arrumam de vez a história do que os Beatles gravaram em 1963.
O primeiro dos novos discos não é senão um segundo volume de uma recolha de gravações feitas para a BBC numa altura em que, mais que tocar discos, muitas vezes as emissões de rádio viviam muito da presença em estúdio dos músicos que registavam sessões que assim alimentavam os programas com conteúdos próprios. Um primeiro volume de sessões na BBC tinha já sido lançado em 1994. Coordenado por George Martin (o produtor que acompanhou todas as gravações dos Beatles em estúdio salvo as que geraram o álbum Let It Be), Live at the BBC representou oficialmente a primeira edição em CD de material ao vivo do grupo (já que continua apenas disponível em vinil o álbum ao vivo The Beatles at the Hollywood Bowl). Agora este segundo volume aprofundou a visão arquivística do conjunto de sessões gravadas para a BBC, sendo que o disco junta às canções inúmeros episódios de entrevistas que, por um lado, expressam o bom humor (reconhecido) dos elementos do grupo e, por outro, permitem escutar algumas das suas histórias contadas na primeira pessoa.
Do arquivo da BBC chegou entretanto também o grosso do volume de 59 temas que constituem Beatles Bootlegs 1963, uma antologia (por enquanto exclusivo do iTunes) que junta takes de estúdio e sessões de rádio efetuadas pelos Beatles em 1963. Lançada discretamente, sem qualquer aviso prévio (salvo uma fuga de informação captada por um blogue de fãs, que entretanto gerou noticiário na imprensa), esta antologia parece ter essencialmente uma função mais centrada na defesa da propriedade sobre os direitos das gravações que propriamente um objetivo antológico. Segundo a legislação europeia, apesar de estarem defendidos os direitos autorais dos temas, os detentores dos direitos sobre as gravações perderiam a sua posse se permanecessem inéditas 50 anos após o seu registo. Assim teria acontecido se, até 31 de dezembro, estes registos de 1963 se mantivessem inéditos, o presente lançamento assegurando agora 70 anos de direitos.
O disco é, mesmo assim, uma preciosidade para os que mais atentamente querem seguir a obra dos Beatles (tal como os que, certamente, procuram o detalhe com que Mark Lewisohn os retrata no recentemente publicado The Beatles - All These Years - Vol. 1: Tune in). Os primeiros 15 temas do alinhamento resultam de outtakes de sessões de estúdio e apresentam o melhor registo áudio de toda a antologia. Aqui dominam as canções de Lennon e McCartney, havendo ainda versões de A Taste of Honey e Money (That’s What I Want), canção que teria também uma leitura pelos Rolling Stones em 1964. Há neste grupo temas provenientes das sessões de gravação dos álbuns Please Please Me e With The Beatles, bem como do single From Me To You, também de 1963. Uma das preciosidades do alinhamento é uma versão em estúdio de One After 909, uma das primeiras composições de Lennon e McCartney mas que surgiria em disco apenas em 1970 em Let it Be.
Depois de um lote substancial de sessões para a BBC em 1963, o alinhamento desta antologia termina com duas maquetes. Numa delas escuta-se Bad To Me, que Lennon compôs para Billy J Kramer & The Dakotas. Na outra encontramos I’m in Love, composta para o grupo The Foremost.
Não é uma antologia barata. Falta-lhe um acompanhamento escrito detalhado (como o tem o disco de sessões para a BBC). Mas estas preciosidades são mais-valia que a história pública dos Beatles assim ganha. E parece que para o ano pode haver mais...
PS. Este texto é parte de um outro, mais extenso, publicado na edição de 28 de dezembro do suplemento Q., do DN, com o título 'Memórias de Arquivo nos 50 anos de Please Please Me'.