quarta-feira, janeiro 08, 2014

Em conversa: Beautify Junkyards (1)

Iniciamos hoje a publicação de uma entrevista com João Branco Kyron, dos Beautify Junkyards (e também dos Hipnótica) que serviu de base ao artigo “Saíram da cidade e voltaram com um disco folk nas mãos”, publicada na edição de 7 de janeiro do DN. 

Como surge um caminho em paralelo aos Hipnótica? Esta música não “cabia” no seu espaço? 
Tudo se delineou de forma bastante natural e até mesmo um pouco por acaso. Tínhamos terminado uma tour com os Hipnótica e estávamos numa fase de procura de novos caminhos, como eu andava a consumir avidamente música folk dos anos 60, 70 , desafiei-os a "escaparmos" da cidade durante uns dias e fazermos umas sessões de gravação em que interpretaríamos algumas dessas músicas emblemáticas, mas com o nosso cunho pessoal. Assim foi, com um estúdio móvel gravámos as primeiras experiências no meio do campo e o resultado foi surpreendente, havia ali algo de mágico que quisemos explorar mais a fundo. Como tudo estava a surgir de forma bastante descomprometida, nem ponderámos que estaríamos a trabalhar material para os Hipnótica, sentimos que se tratava de algo bastante distinto, tanto na abordagem musical e instrumentos utilizados, como também no próprio método.

Porque optam por uma coleção de versões e não inéditos? 
Quando terminámos as primeiras gravações, entre as quais de From the morning do Nick Drake, enviámos para algumas pessoas, entre as quais o Keith Jones da editora inglesa Fruits de Mer, trata-se de uma editora especializada em vinil de 7" e que normalmente desafia bandas novas a recriarem versões. O Keith adorou e no mesmo dia contactou-nos e convidou-nos a editar um single por eles, o single acabou por ser um enorme sucesso (esgotou a edição de 800 cópias numa semana) e atraiu a atenção da media inglesa com airplay na BBC6 e BBC2 e críticas em revistas importantes como a Shindig e Classic Rock. Isso deu-nos alento para gravarmos mais algumas músicas, até que ao fim de um tempo nos apercebemos que tínhamos material suficiente para um álbum, foi então que tivemos a ideia de iniciar a vida da nova banda dedicando o primeiro álbum às suas raízes.

As escolhas são coisa do gosto? Ou pensadas para definir o espaço musical do projeto? (ou as duas?) 
As escolhas foram uma questão de gosto, existe um elo de ligação entre muitas delas por estarem ligadas à chamada folk Outunal (que foi a fonte de inspiração para as sessões iniciais), definição que caracterizou um curto período de uma folk britânica mais pastoral e intimista, protagonizada por músicos como a Vashti Bunyan, o Nick Drake e os Heron. Depois quisemos estender um pouco essa linguagem e achámos que seria interessante ir a influências de outras latitudes musicais e trazer para territórios diferentes do seu formato original, foi o que fizemos com Os Mutantes e com os Kraftwerk. Em todas as versões quisemos sempre respeitar os originais mas ao mesmo tempo introduzir os nossos elementos, como se de uma apropriação se tratasse, por forma a que, quem ouça o álbum por inteiro perceba os elos de ligação que estabelecemos entre as diversas músicas algumas de proveniências tão distintas .Outro fator importantes nas escolhas foi tentar misturar algumas músicas emblemáticas e mais conhecidas com outras que consideramos pérolas, mas que são, injustamente, mais obscuras, como acontece com a Parallelograms da Linda Perhacs.

A versão dos Kraftwerk surge ali como uma presença curiosa. É a carta fora do baralho que afinal cabe no baralho? 
Exato, é isso mesmo, é talvez a mais versão mais surpreendente, mas que traz uma amplitude bastante importante. Despir uma música da sua componente mais maquinal, citadina, mecanizada e levá-la para terrenos mais pastorais foi desafiante mas revelou-se bastante gratificante, porque conseguimos agregá-la ao universo do álbum sem grande esforço, acabou por ser bastante espontâneo e instintivo, pois deixamo-nos contaminar pelo meio envolvente. É umas das versões que mais interesse tem suscitado, fomos inclusivamente contactados pelo DJ Food (Ninja Tune) que gosto muito e incluiu-a numa compilação da Ninja Tune lançada em celebração aos concertos que os Kraftwerk deram recentemente na Tate Modern.

(continua)