1 - LINCOLN, de Steven Spielberg
2 - O OUTRO LADO DO CORAÇÃO, de John Cameron Mitchell
3 - O MENTOR, de Paul Thomas Anderson
4 - O PROFUNDO MAR AZUL, de Terence Davies
5 - LIKE SOMEONE IN LOVE, de Abbas Kiarostami
6 - BLUE JASMINE, de Woody Allen
7 - FAUSTO, de Aleksandr Sokurov
8 - A ESSÊNCIA DO AMOR, de Terrence Malick
9 - A VIDA DE ADÈLE, de Abdellatif Kechiche
10 - LORE, de Cate Shortland
Foi um ano simbolicamente dominado por Steven Spielberg.
Primeiro, porque, ecoando uma dramática intervenção pública de Steven Soderbergh, lembrou que o cinema americano, insistindo numa estratégia económica totalmente dependente de uma dúzia de "blockbusters" anuais, corre o risco de "implosão".
Depois, porque veio à Europa e, na qualidade de presidente do júri do Festival de Cannes, foi peça decisiva na atribuição da Palma de Ouro ao filme menos cómodo e universalista da competição: A Vida de Adèle, de Abdellatif Kechiche.
Enfim, porque dirigiu Lincoln, ensaio actualíssimo sobre o poder político da palavra, depois de a relutância dos estúdios quase o ter obrigado a decidir-se pelo formato de mini-série televisiva — Soderbergh, precisamente, não conseguiu concretizar o seu Por Detrás do Candelabro em cinema, acabando por rodá-lo como se fosse um telefilme, em qualquer caso outro grande acontecimento do ano (com estreias em sala em diversos mercados, incluindo o português).
Os problemas estruturais apontados por Spielberg estão longe de se poder compreender como questões internas de Hollywood: no seu imenso poder económico (que não pode ser confundido com a sua fascinante energia artística), o cinema americano continua a ser o principal formatador da maior parte das regras de difusão de filmes um pouco por toda a parte, nomeadamente na Europa. Exemplo cruel deste ano: o prodigioso O Outro Lado do Coração (Rabbit Hole), de John Cameron Mitchell, chegou às salas portuguesas cerca de dois anos e meio depois da estreia americana e nem o facto de ter valido a Nicole Kidman uma nomeação para o Oscar de melhor actriz lhe trouxe qualquer suplemento promocional.
Estamos cansados, enfim, do horror afectivo e narrativo, numa palavra, humano que a desvergonha do Big Brother e seus derivados todos os dias injecta na nossa vida. Não só por isso, mas também por isso, o cinema persistiu como uma paisagem de resistência às imposturas do "naturalismo" televisivo. Por certo celebrando os seus mais primitivos artifícios (veja-se o genial anacronismo do trabalho de Aleksandr Sokurov), mas também repondo a possibilidade de algum esquecido realismo — Lore, por exemplo, arriscou mergulhar nos fantasmas do nazismo para nos devolver factos, personagens e corpos. É uma exemplar lição política e estética.