Em Gone Girl, Gillian Flynn [foto] coloca em cena os dramas muito privados de um casal cuja existência está à beira da mais brutal decomposição: ela é Amy, a desaparecida que o título anuncia, tendo fugido ao marido depois de uma cena caseira que foi, no mínimo, violenta, como o prova a desarrumação com que a polícia se depara e, mais do que isso, o próprio sangue de Amy; ele, Nick, surge como único suspeito dessa altercação caseira, tanto mais que o seu comportamento público parece indiciar uma estranha indiferença pelo desaparecimento da mulher...
Dito de outro modo: Gone Girl é também uma crónica fria e contundente sobre o alarido que o desaparecimento de Amy desencadeia em jornais, revistas e televisões que vivem da venda militante de obscenidades, sempre à procura de “inocentes” e “culpados” na vida privadas dos cidadãos.
Tudo isto, como é óbvio, faz supor que Gone Girl se enraíza numa trama policial recheada de sobressaltos e surpresas. Assim acontece, sem dúvida. Mas seria precipitado supor que Flynn não passa de uma escritora que sabe relançar matrizes já testadas, recheando-as com alguns detalhes mais ou menos insólitos. Obviamente consciente da tradição narrativa em que se movimenta, ela é acima de tudo a admirável arquitecta de um edifício de factos e imaginações em que, metodicamente, são testados os limites da racionalidade humana – ou, se assim nos podemos exprimir, a paradoxal transparência da sua irracionalidade.
Há outra maneira de o dizer: Flynn celebra as contradições internas do amor, testando a sua impossibilidade até aos limites do humanamente possível. Ou ainda: Gone Girl vai ser o próximo filme de David Fincher, com Ben Affleck e Rosamund Pike nas personagens centrais – e o mínimo que podemos dizer é que, mesmo conhecendo o espantoso desenlace do romance, a expectativa será sempre altíssima.
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