domingo, agosto 04, 2013

John Zorn: a forma e o disforme

ROSE HOBART (1936), de Joseph Cornell

* ESSENTIAL CINEMA / John Zorn
> Sábado, 03 Ago 2013, 21:30 - Anfiteatro ao Ar Livre

[ A paixão do caos ]

O segundo concerto de John Zorn integrado no Jazz em Agosto serviu de esclarecedora explicitação da sua relação plural com as especificidades do mundo cinematográfico. Mais do que a uma sessão de cinema com bandas sonoras ao vivo, assistimos a um verdadeiro happening audiovisual em que a música emerge como prolongamento, derivação e delírio das aventuras estéticas dos próprios filmes.
OZ: THE TIN WOODMAN'S DREAM (1967),
de Harry Smith
As relações de Zorn com o cinema são tão extensas, escapando-me em muitos aspectos, que não me atreveria a considerar aquilo que escutámos neste concerto como sintoma absoluto de tais relações (afinal de contas, a série Filmworks chegou ao volume XXV).
Seja como for, podemos detectar uma atitude que vale a pena tentar caracterizar. Desde logo na escolha dos autores "musicados": Maya Deren, Joseph Cornell, Wallace Berman e Harry Smith são, todos eles, artistas multifacetados para quem as imagens em movimento surgiram, nas décadas centrais do séc. XX, como instrumentos complementares, porventura perversos, de discussão das formas clássicas de figuração e narrativa. Dir-se-ia que Zorn procura a cumplicidade de objectos cinematográficos permanentemente ameaçados de (voluntária) desagregação — ouça-se a exuberância do seu saxofone face às imagens "degradadas", misto de acidente e colagem, dos Super 8 de Wallace Berman.
Tudo acontece como se a resistência à fixação formal que perpassa em todos os filmes, o seu assumido gosto pelo disforme (sendo o disforme uma forma angustiada ou expectante) fosse reconvertido por Zorn em pauta, ou melhor, mapa de trabalho da sua banda — com a mesma formação do primeiro concerto, mais Ikue Mori na electrónica. Há, assim, uma dupla consequência: em primeiro lugar, Zorn e os seus músicos consagram uma liberdade "interpretativa" (jazzística, et pour cause), que os dispensa de qualquer sublinhado ou redundância face ao "conteúdo" dos próprios filmes; depois, os resultados de toda esta coexistência apontam para uma experimentação puramente mágica do facto-cinema, como se o gosto primitivo dos Lumière — apostado em reproduzir as coisas como-elas-são —, não passasse de um acidente curioso, certamente pedagógico, mas dispensável pelo nosso olhar. Decididamente, as notícias sobre a morte do surrealismo são francamente exageradas.