segunda-feira, agosto 19, 2013

Em 2154, o sonho estará em órbita

Este texto, sobre a estreia do filme Elysium nos ecrãs nacionais, foi originalmente publicado na edição de 16 de agosto, com o título 'Estará mesmo o paraíso ao alcance de todos nós?'.

Estamos no ano 2154 e a Terra está transformada numa favela global, com a ordem mantida sob leis de “tolerância zero” que é aplicada por androides que patrulham ruas feitas em cacos onde gente a mais vive em espaço a menos. Mas, tal como na Gália dos tempos de Astérix havia uma zona que escapava à ocupação romana, também o espaço de vida dos seres humanos tem um “paraíso” protegido. Trata-se de uma gigantesca estação orbital, com a forma de uma roda, onde a elite rica criou para si um habitat frondoso, limpo e onde a doença foi erradicada. Chama-se Elysium e, está visto, não é para todos...

Estas são as premissas que acolhem a narrativa de ficção científica com vitaminas de thriller e aditivos de ação que encontramos na segunda longa metragem de Neil Blomkamp, o realizador que nos surpreendeu com Distrito 9. De resto, juntamente com o belíssimo Moon, de Duncan Jones, a estreia de Blomkamp, foi dos primeiros sinais de um clima de redescoberta de entusiasmo pelo cinema de ficção científica que faz de 2013 um mundo como o que não conhecíamos desde finais dos anos 70 quando, depois de Star Wars, de George Lucas e Encontros Imediatos de Terceiro Grau de Spielberg, este se tornou num dos géneros mais na ordem do dia. E a verdade é que, depois de títulos como Esquecido, de Joseph Kosinski (protagonizado por Tom Cruise) e de Depois da Terra, de M. Night Shyamalan (com Will Smith e o seu filho Jaden), do segundo Star Trek de J.J. Abrams, do mais recente Batalha do Pacífico, de Guillermo del Toro, e antes da chegada de Gravidade, de Alfonso Cuarón (com George Clooney e Sandra Bullock) e de Ender’s Game, de Gavin Hood (com Harrison Ford e Asa Butterfield), Elysium está a revelar-se um fenómeno (de bilheteira).

O filme aborda, nas entrelinhas, temas que são já dos dias de hoje como o excesso de população, o desejo de emigração, o emprego, a segurança social. Mas foca em concreto a história de Max (Matt Damon), um ladrão em liberdade condicional que trabalha agora numa fábrica e que, depois de um acidente laboral, ao qual o administrador foi desumanamente insensível, aceita um “trabalho” ilícito, dispondo-se a roubar dados encriptados na mente de um homem rico. A vítima? O patrão. Acontece que os dados são material digital para um golpe de estado em Elysium a favor de uma chefe de segurança (interpretada por Jodie Foster, numa das suas piores criações para o grande ecrã), que não olha a meios para proteger a estação orbital... E com material de alto valor no cérebro, Max deixou de ser apenas um cidadão com cadastro. Tornou-se o procurado número um.


De repente, o que parecia um filme cheio de boas ideias inspiradas entre momentos marcantes da história da literatura e do cinema de ficção científica – da nave-habitat do Rama de Arthur C. Clarke à visão distópica de um mundo sobrepovoado de um Soylent Green – acaba transformado num thriller de ação que por vezes atinge o patamar excessivo da luta de super-heróis e acaba por danificar alguma verosimilhança de uma narrativa que, mesmo assim, nos dá um filme de ficção científica que acredita que há mais que apenas efeitos especiais na hora de imaginar cenários no futuro.