quarta-feira, julho 10, 2013

Vida que se conta onde houve um gueto

Fotos: N.G.

Abriu as portas em abril deste ano, mas para já apenas para quem quiser conhecer parte do edifício, visitar uma exposição temporária e a loja do museu. Em 2014 chega a exposição permanente. O Museu da História dos Judeus Polacos é já contudo uma das paragens mais obrigatórias em passagem por Varsóvia. Este texto foi originalmente publicado na edição de 6 de julho do DN com o título 'Revisitar a cultura judaica no centro de Varsóvia'.

Há memórias que convém não esquecer e a do Holocausto é uma delas. Mas Varsóvia, capital de um país que antes da II Guerra Mundial tinha entre a sua população um total de 3,5 milhões de judeus, dos quais apenas cerca de 300 mil terão sobrevivido, não quer fechar a memória da sua relação com este povo e a sua cultura aos anos de horror que levou milhões aos lugares de extermínio. E o novo Museu da História dos Judeus Polacos quer lembrar que há uma história por contar, que passa por mil anos de relacionamento de comunidades judaicas com esta zona da Europa e também pelo período do regime comunista que assistiu a novos episódios de antissemitismo.

Apesar de só abrir a sua exposição permanente na primavera de 2014, o edifício já tem portas abertas a quem quiser contemplar o magnífico projeto arquitetónico (dos finlandeses Rainer Mahlamäki e Ilmari Lahdelma), assistir a programas especiais e até visitar uma exposição temporária que recorda, com filmes de família, cenas de quotidiano nos anos 30, antes da invasão alemã.

Situado numa praça com ressonâncias históricas, numa zona que pertencia ao gueto, o edifício mora frente ao monumento em memória dos seus heróis e vítimas ali erigido pouco depois da guerra e junto à entrada do esgoto por onde fugiu um pequeno grupo de resistentes comandados por Marek Edelman, durante o motim de 1943 que antecedeu a liquidação final da população ali encurralada. “É um local muito simbólico”, reconhece Piotr Kossobuddzki, do departamento de comunicação.

“Este é um museu de celebração da vida e não apenas do Holocausto”, explica o mesmo responsável, chamando a atenção para o contraste entre a calma geométrica do exterior do edifício e a “explosão de formas” no interior, que simbolizam momentos de rutura na histórica dos judeus polacos. Surgido como ideia em 1995, o museu nasceu oficialmente em 2005 e neste momento há perto de cem especialistas a trabalhar na exposição permanente que visa “ir para lá dos estereótipos”. Mais que lembrar o campo de Treblinka (não muito longe da cidade, onde morreu a maioria dos habitantes do gueto) o museu quer lembrar, por exemplo, como, há alguns séculos, os donos das terras em volta da cidade deram a elementos da comunidade judaica o papel de gerir a sua economia, o que conduziu à sua instalação e expansão na região. “30 a 40 por cento da população de Varsóvia chegou a ser judaica”, lembra Piotr Kowalik, um dos muitos especialistas em história integrados na equipa do museu.

O museu pretende também celebrar toda uma cultura, e a gastronomia ashkenazi integrou mesmo alguns dos workshops que estão já em curso. Em curso está também a reconstrução de uma sinagoga de madeira da região de Lviv queimada na guerra, mas cujo regresso “à vida” aconteceu fruto de dois anos de trabalho por técnicos ligados ao museu. Será a primeira peça da exposição permanente, que conterá um modelo interativo de Cracóvia e do bairro judaico de Kazimierz, memórias de vagas de emigração no século XIX, o Holocausto ou as campanhas antissemitas de 1968 que conduziram a novo êxodo.

A meses de abrir as portas o museu vive em azáfama. Há visitas guiadas que revelam ediício e a sua utilização. O departamento de educação prepara programas de intercâmbio e um discurso com agentes turísticos que mostre que na Polónia “há mais a ver que campos de concentração e sinagogas”, diz Kossobudzki. Esperam 800 a um milhão de visitantes por ano. E chegar ainda mais longe com uma exposição itinerante e também um site que terá os materiais do museu digitalizados mas que quer receber memórias das mais variadas povoações polacas, desafiando aí as populações locais a dar a conhecer memórias das suas terras.