Integrado entre os dois programas Estaleiro que o Curtas Vila do Conde apresentou este ano conta-se Mahjong, um novo filme de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata. Este texto foi originalmente publicado na edição de 11 de julho do DN com o título ‘Uma perseguição em clima noir num bairro chinês em Vila do Conde’.
É possivelmente um dos títulos maiores desta edição do Curtas e assinala o que parece ser um momento de destino de um caminho trilhado entre os mais recentes filmes de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata. Mahjong, um dos quatro títulos do programa de produção Estaleiro, parte de um lugar físico concreto: Varziela, uma zona industrial em Vila do Conde. Mas João Pedro e João Rui apropriam-se do lugar, lançam sobre ele uma trama com arrepio de film noir e constroem um filme narrativamente empolgante e esteticamente deslumbrante que abre caminhos a várias leituras e se mostra carregado de ressonâncias com episódios vários da sua obra recente.
A vertigem daquele caminho no gume entre o olhar documental e a construção de uma ficção de A Última Vez Que Vi Macau, um enigmático stiletto como o que vimos em Alvorada Vermelha ou o pontual travo de fantástico de Manhã de Santo António (que procura aquela bússola digital?) estabelecem ligações comMahjong, tornando-o parte de um corpo comum (a obra conjunta dos dois realizadores e sobretudo as pontes entre as culturas portuguesa, chinesa e cinéfila que a têm marcado).
Entre um labirinto de armazéns brota uma perseguição, cruzam-se um vulto feminino e manequins que nos trocam as coordenadas de género, uma peça de mahjong... Uma procura,suspense (que a noite adensa, o tempo aprofunda e a música tão bem sublinha), a auto-representação dos realizadores lançando depois ainda mais ecos sobre outras experiências suas.