sexta-feira, julho 05, 2013

Quem se lembra de Michael Curtiz?

Entre os criadores do classicismo de Hollywood, Michael Curtiz será um dos exemplos mais modelares: que resta dele no nosso presente? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 Julho), com o título 'Sob o signo de Michael Curtiz'.

Se eu citar o título Casablanca (1942), não tenho dúvidas que o leitor recordará de imediato o par Humprey Bogart/Ingrid Bergman, revendo-o algures no norte de África, num cenário romântico, assombrado pelo cruel desenvolvimento da Segunda Guerra Mundial. Eventualmente, lembrar-se-á também que o realizador, Michael Curtiz, de origem húngara, foi um dos grandes artesãos da idade clássica de Hollywood, onde trabalhou desde finais dos anos 20 até 1961 (vindo a falecer no ano seguinte, contava 75 anos).
E se pensarmos em mais duas produções do mesmo ano de 1942? Por exemplo, Corsários das Nuvens, sobre os pilotos canadianos na guerra, e Canção Triunfal, o célebre Yankee Doodle Dandy consagrado ao actor e produtor da Broadway George M. Cohan. Acredito que o leitor evoque James Cagney como protagonista de ambos os filmes. Mas a minha pergunta (de algibeira) é esta: quem dirigiu estes dois títulos?... Pois bem, foi Michael Curtiz!
Lembrei-me deste exemplo ao ler a mais recente crónica de Peter Bart, vice-presidente e director editorial da revista Variety (tradicionalmente referida como a “bíblia” da indústria cinematográfica). O título, longo como é da tradição, parece uma fórmula mais ou menos esotérica: “Os projectos de desenvolvimento vão-se reduzindo à medida que os remakes e as sequelas vão dominando.” Que é como quem diz: cada vez há mais produções “copiadas” de outros filmes e menos que resultem do processo clássico de Hollywood em que cada projecto era gerado a partir de um exigente labor de escrita e reescrita do respectivo argumento.
O cronista sublinha que a conjuntura actual já nada tem a ver com os tempos em que actores, realizadores e argumentistas “tinham uma ligação contratual” com os estúdios, existindo mesmo os célebres “pavilhões dos argumentistas” em que os profissionais contratados desenvolviam e confrontavam diariamente os respectivos trabalhos. Agora, muitas vezes, as decisões para avançar com um projecto dependem de executivos desligados do processo criativo, decorrendo menos da gestão de “talentos” e mais de uma visão banalmente financeira das “bilheteiras”.
Lembrei-me porque, no presente, já não é possível existirem cineastas como Michael Curtiz, não apenas usufruindo de uma máquina de produção de grande energia criativa, mas com condições práticas para, num mesmo ano, assinarem três títulos tão diferentes. Entenda-se: não se trata de favorecer nenhuma forma de anti-americanismo primário, nem de recusar o facto de alguns dos mais fabulosos filmes contemporâneos serem de origem americana. Lembro, por exemplo, os mais recentes de Steven Soderbergh (Behind the Candelabra) ou dos irmãos Coen (Inside Llewyn Davis), vistos no recente festival de Cannes. Só que, justamente, filmes como estes são gerados fora da lógica que favorece a infinita repetição de “blockbusters” medíocres.