quinta-feira, julho 04, 2013

Passos & Portas (com um toque de Sócrates)

GERHARD RICHTER
Betty
1988
* Há qualquer coisa de obsceno no modo como a ACCPT (Associação Caritativa dos Comentadores Políticos de Televisão) reconverteu a maioria dos seus membros em zombies muito semelhantes aos que Brad Pitt combate em WWZ - Guerra Mundial. Subitamente, despertos do seu sono letal pelo vírus triunfante da catástrofe iminente, renascem de exílios mais ou menos telenovelescos e proliferam em tudo o que é televisão, garantindo-nos que Pedro Passos Coelho e Paulo Portas estão a protagonizar uma "criancice".

* Notável, de facto. Celebraram os amanhãs que cantam (ou que iriam cantar...) quando José Sócrates caíu, alimentaram um triunfalismo pueril quando Passos Coelho formou governo e, alguns meses depois, começaram a fazer a única coisa que sabem fazer. Ou seja: garantir-nos que já estamos todos mortos e enterrados, não passando a vida política de um simulacro povoado de fantasmas vindos desse pós-apocalipse por onde, agora, deambulam Willl Smith e o seu filho, no filme Depois da Terra.

* Notável, insisto. Já nem se preocupam em sustentar qualquer simulacro de enunciação política. Alguns deles, com o à vontade da mais pueril irresponsabilidade, ocupam mesmo o seu (e o nosso) tempo a tecer elaboradas considerações sobre os perfis psicológicos (?) de Passos & Portas, garantindo-nos que os dramas do país podem ser condensados nesses horóscopos dignos da mais corrente e vergonhosa imprensa cor de rosa. Et pour cause.

* Como é óbvio, nenhuma destas considerações decorre de qualquer indiferença ou despreocupação perante a grave conjuntura política e social do país, obviamente também não dissociável das atribulações correntes do Sonho Europeu (e da sua nostalgia muito antiga, sempre auto-culpabilizante, do distante "American Dream"). Em todo o caso, o que aqui se aborda é um sistema de linguagens. A saber: o que está em causa é o triunfo de uma infantilização televisiva que, em alguns casos, se atreve até a sugerir que, de facto, valeria a pena revalorizar algumas medidas tomadas no tempo de... José Sócrates!!!

* Como disse??? Só faltava mais essa: haver quem se ria à custa dos cidadãos, transformando o filme de terror que nos foi apresentado (Sócrates como a encarnação do Diabo, em remake gore de um clássico de Terence Fisher) numa versão desastradamente burlesca de "Bambi para atrasados mentais" (Sócrates como o D. Sebastião que a história não soube acolher). Aliás, a pornografia mediática é de tal modo chocante que o sentido jornalístico de meio mundo parece ter encalhado nos lugares-comuns daquilo a que, sem pestanejar, chamam o "país real": assim, qualquer comentador envolvido em teias de aranha de conformismo é convocado para analisar o momento presente, mas ninguém convida... José Sócrates. Das duas uma: ou nos andaram a mentir e ele não tem nada a ver com esta história; ou o que ele tem para dizer não encaixa nas novas narrativas. Oops.