sexta-feira, julho 12, 2013

A floresta clássica

Depois da Terra, de M. Night Shyamalan, com Will Smith e Jaden Smith, envolve uma aposta tão inesperada quanto estimulante: regressar às regras "naturais" da ficção científica clássica — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 Julho), com o título 'Floresta, natureza e utopia'.

Poderia escrever-se uma história das florestas nos filmes de Hollywood. Desde As Aventuras de Robin dos Bosques (1938), com Errol Flynn, até Apocalypse Now (1979), de Francis Ford Coppola, a floresta é o menos naturalista dos cenários naturais. Que é como quem diz: um espaço que seduz e assombra, numa vertigem de paradoxos e contradições que, em última instância, questiona a própria identidade humana.
Depois da Terra pertence a essa vasta família iconográfica, convidando-nos a percorrer os labirintos de uma frondosa floresta (filmada na Costa Rica), devidamente trabalhada pela notável direcção fotográfica de Peter Suschitzky (colaborador regular de David Cronenberg). E não deixa de ser sintomático que, em tal cenário, o filme de M. Night Shyamalan refaça uma velha fábula entre pai e filho (Will Smith e o seu próprio filho, Jaden Smith), com o primeiro a delegar no segundo a hipótese de sobrevivência e, no limite, a defesa do seu legado histórico.
Há, por isso, qualquer coisa de obsceno no modo como, nos EUA, o filme tem servido de pretexto para os mais torpes ataques ad hominem (visando Shyamalan e, sobretudo, a condição paterna do próprio Will Smith). De facto, mesmo considerando que Depois da Terra não possui a sofisticação de outros títulos de Shyamalan (por mim, diria que A Senhora da Água me parece o mais mal amado dos seus filmes), encontramos aqui uma estimulante proposta de renovação de uma certa utopia natural que atravessa toda a história do cinema americano, desde as epopeias filmadas por Cecil B. De Mille até alguns dramas de ficção científica marcados pelas convulsões políticas e morais dos anos 50. Mais do que isso: numa altura em que a utilização de cenários digitais chegou ao mais caricato desperdício (observe-se a bizarra incompetência de um filme como Homem de Aço), é salutar encontrar um filme que nos devolve o prazer primitivo de contemplar um tronco de árvore ou o efeito do vento numa ramagem. Não é Griffith, bem sei, mas não se pode ter tudo.