domingo, junho 09, 2013

O simplismo ideológico de Julian Assange

GOTTFRIED HELNWEIN
Sem título (Polaroid)
1987
* Vale a pena ler o mais recente artigo de Julian Assange, primeiro publicado pelo New York Times e, depois, traduzido nas páginas de Le Monde.

* Com uma arrogância que, definitivamente, passou a dispensar qualquer forma de sensatez, o fundador do WikiLeaks vem prolongar o seu discurso "libertário" sobre a informação, num tom de fazer inveja aos mais cegos militantismos anti-americanos. Porque, no fundo, é essa a única ideia activa no discurso de Assange: desde que seja possível demonizar aquilo a que ele dá o nome de América, tudo o resto é uma alternativa de felicidade.

* O pretexto é, agora, a edição do livro The New Digital Age, escrito por dois dos principais responsáveis do Google: Eric Schmidt (presidente executivo) e Jared Cohen (director do Google Ideas). E o simplismo ideológico de Assange pode resumir-se através de uma fórmula esclarecedora: a aliança Google/Governo dos EUA está organizada no sentido de consolidar uma ditadura planetária. Escreve ele: "O avanço das tecnologias da informação tal como encarnada pelo Google anuncia o fim da vida privada para a maior parte dos seres humanos e conduz o mundo para o totalitarismo."

* Poderíamos, por certo, lembrar muitas e complexas nuances da evolução informática das sociedades contemporâneas: primeiro, que essa evolução não pode ser compreendida (nem sequer descrita) através de conceitos tradicionais de nacionalidade; segundo, que a noção de vida privada, seja ela qual for (e escusado será lembrar que varia de cultura para cultura), não pode ser reduzida à quantidade de informação sobre cada cidadão que circula pela Net (o que, entenda-se, não impede que questionemos firmemente os abusos dessa circulação); terceiro, que algumas importantes formas contemporâneas de conhecimento & informação, da pedagogia escolar à defesa dos direitos humanos, passam por dispositivos informáticos gerados pelas mais diversas empresas (incluindo o Google)... etc., etc., etc. Poderíamos até reconhecer, sem problema, que importa pressionar a administração Obama no sentido de esclarecer que formas presentes ou futuras poderão assumir as relações entre o Governo dos EUA e os gigantes da informática. Resta saber se a maneira mais útil e inteligente de pensar todas essas dinâmicas é proclamar que "o governo americano se vai imiscuir nas comunicações de todos os seres humanos que vivam fora da China"... Quer isso dizer que o combate chinês contra o Google e, mais genericamente, a atitude das autoridades chinesas bloqueando o acesso aos mais variados conteúdos da Net constitui o paraíso de "transparência" que Assange tem para oferecer ao planeta?

* Extraordinário, sem dúvida, que este tipo de maniqueísmos — além do mais, ignorando as diferenças interiores da América, bem patentes no fulgor das suas expressões culturais (cinema, música, literatura, etc.) — se apresente como um discurso de "purificação" que se arroga o direito de ridicularizar até a resistência moral ao terrorismo (mesmo sem esquecer que podemos, sempre, evidentemente, discutir as configurações políticas ou militares dessa resistência). Como? Pois bem, para descartar as considerações de Schmidt e Cohen sobre as ameaças do "ciberterrorismo", Assange lança esta argumentação, eivada de sinistra ironia: "Apesar do facto de ser responsável apenas por uma ínfima fracção das mortes violentas no mundo, o terrorismo continua a ser uma das primeiras preocupações dos meios da política estrangeira americana." Provavelmente, Assange quer que alguém ceda à sua provocação e lhe pergunte qual seria o número "correcto" de vítimas a partir do qual o 11 de Setembro deveria ser encarado como um facto grave...