quinta-feira, junho 20, 2013

Discos pe(r)didos:
Tó Neto, Láctea

Tó Neto 
'Láctea' 
Sassetti 
(1983)

A notícia da morte de Tó Neto fez-me viajar no tempo até 1983 para reencontrar Láctea, aquele que foi então o seu álbum de estreia. É claro que já tinha havido experiências portuguesas com eletrónicas dos domínios da música erudita com Jorge Peixinho a primeiras aventuras pop em projetos dos anos 70 como os Smoog. É claro que na alvorada dos oitentas começavam a emergir bandas pop atentas às eletrónicas, dos Da Vinci aos Heróis do Mar (Paixão foi single no mesmo 1983), pouco depois os Ópera Nova ou Poke. Mas foi com Láctea que o mapa “pop” português conheceu um álbum no qual as eletrónicas conheciam um protagonismo maior. Apresentado no Planetário Calouste Gulbenkian em finais de 1983, o disco revelava um alinhamento feito de uma sucessão de temas instrumentais, parte deles (como Odisseia ou Cristal) definidos segundo uma lógica pop herdeira de experiências de um Jean Michel Jarre em finais dos anos 70 e sob uma luminosidade melodista em claro contraste com as referências kraftwerkianas também centrais a este tipo de abordagens neste quadro temporal. Noutros instantes, mais contemplativos (como em Zuzu), aproximava-se de ecos quer do rock progressivo quer das primeiras expressões da cultura ambiental, alargando depois horizontes a um esboço de trabalho vocal (via vocoder) em D. Vagabundo. Natural de Angola, onde nasceu em 1955, Tó (António Eduardo Benidy) Neto mudou-se para Lisboa em meados dos anos 70 e ali estudou na Academia dos Amadores de Música e no Hot Clube. Filho de um engenheiro com conhecimentos na área do som e da eletrónica, conheceu assim natural afinidade para com um novo espaço musical numa altura em que este emergia como novo terreno fértil ao serviço dos espaços da música popular. Láctea foi gravado em outubro de 1983 no Angel Studio, sob produção de Eduardo Paes Mamede. Tó Neto é o único instrumentista, consigo levando uma multidão de teclados Roland, um piano Rhodes , um piano elétrico da Yamaha e um baixo elétrico da Aria. Apesar de alguns títulos com ressonâncias africanas (relação que exploraria com maior profundidade em gravações posteriores), Láctea é um disco que, como algumas das visões pop de finais de 70 e inícios de 80 nos mostravam, procurava com ferramentas do presente algumas sugestões de futuro. Algumas destas faixas conheceram franca expressão em programas de televisão da altura, mas com o tempo foram ficando esquecidas, guardadas na memória de quem as vivera mais de perto. Tó Neto tinha uma loja digital onde as faixas de Láctea estavam disponíveis. Mas estava na hora de se ponderar uma eventual edição em CD (ou eventual nova prensagem em vinil) para um disco que foi um marco na história do Portugal dos anos 80 e virou peça de culto disputada no eBay.