Esther Williams fica como símbolo da idade de ouro do musical americano e, mais do que isso, do espectáculo clássico segundo Hollywood — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 Junho), com o título 'Morreu a sereia de um milhão de dólares'.
Com a morte de Esther Williams desaparece uma das derradeiras figuras da idade de ouro do cinema musical americano. Quando publicou a sua autobiografia, em 1999, Esther Williams apropriou-se de um título lendário da sua filmografia: Million Dollar Mermaid, ou seja, à letra, “A Sereia de um Milhão de Dólares”. A expressão não é estranha ao valor simbólico e comercial do sucesso segundo Hollywood, mas foi sobretudo uma alcunha carinhosa vinda dos tempos em que Williams, de campeã de natação, se transformou num dos nomes grandes dos musicais da Metro Goldwyn Mayer.
Esther Williams faleceu, durante o sono, nesta quinta-feira, na sua casa de Los Angeles (contava 91 anos). E há uma ironia desconcertante no facto de a sua existência ter terminado assim. De facto, ela própria dizia que o seu trabalho no cinema implicou alguns milhares de horas de permanência na água, a ponto de, por vezes, enquanto aguardava a preparação das luzes e câmaras, adormecer a boiar, encostada ao rebordo das piscinas da MGM.
Diz-se, por vezes, que ela foi a versão feminina de Johnny Weissmuller, o campeão olímpico de natação que se celebrizou nos filmes de Tarzan. Aliás, os seus destinos cruzaram-se muito cedo. Depois de, ainda adolescente, ter ganho vários títulos nacionais como nadadora, Williams formou com Weissmuller o par de protagonistas do chamado “Aquacade”, espectáculo aquático da Feira Mundial de São Francisco, em 1940. Foi aí que alguns observadores da MGM a descobriram, desde logo admirando a sua destreza física e elegância de movimentos.
Viria a estrear-se em A Vida Privada de Andy Hardy (1942), contracenando com Mickey Rooney, na altura a grande figura juvenil de Hollywood. Conquistou o seu estatuto de estrela com Bathing Beauty/Escola de Sereias (1944), dirigido por George Sidney, filme em que as cenas aquáticas eram coreografadas por um dos nomes decisivos de toda a história do género musical: Busby Berkeley. No fundo, Berkeley ofereceu a Williams a sua imagem de marca: uma bailarina capaz de transpor a delicadeza de pose e movimento dos números clássicos de dança para o domínio aquático.
Não é muito longa a filmografia de Williams. Em boa verdade, foi-se desagregando com o fim do próprio musical clássico, desembocando no emblemático Dangerous when Wet/A Sereia Perigosa (Charles Walters, 1953). Ela própria resumiu assim o encanto dos seus filmes: “Era como se eu tivesse convidado o público para estar na água comigo, transmitindo a sensação de que não havia nada de mais delicioso.”