domingo, junho 02, 2013

A orquestra, segundo Duke Ellington

Obras para orquestra assinadas por Duke Ellington, em interpretações pela Buffalo Philharmonic, dirigida por JoAnn Falletta. Porque a música orquestral americana do século XX não podia deixar de refletir a presença marcante do jazz naquele tempo e naquele lugar.


A presença próxima do jazz em alguma da música orquestral norte-americana do século não é senão a expressão natural da vivência atenta a um tempo naquele lugar. De Gershwin a Bernstein, entre tantos outros, definiu-se desde os anos 20 do século passado uma história de cruzamentos vários, sobretudo quando por protagonistas havia espíritos abertos ao exercício do diálogo entre formas, linguagens e instrumentos. Entre os nomes de mais suculentos feitos neste domínio conta-se um dos vultos maiores da história do jazz, contudo com igualmente determinante presença junto de um espaço habitualmente “rotulado” nas imediações dos terrenos “clássicos”, ou não espelhasse a sua relação com as orquestras heranças que transcendiam os espaços jazzísticos, procurando antes formas de definir uma visão natural da época em que respirava os ares do dia a dia. Duke Ellington (1899-1974) gostava mais até de chamar “americana “ à sua música, não a dirigindo necessariamente apenas aos domínios do jazz. O jazz morava contudo na alma da sua visão enquanto compositor, não apenas quando liderava big bands ou pensava a relação com o piano, mas também quando compôs para cinema (entre as suas bandas sonoras conta-se a que assinou para Anatomy of a Murder, de Otto Preminger) ou para salas de concerto ou coreografias. Este disco recentemente lançado pela Naxos junta uma série de preças para orquestra, a mais remota datada de 1945, a mais recente de 1970, a mais marcante de 1950. Esta última é Harlem, uma peça para orquestra (com arranjos de Maurice Press) na qual o compositor inscreve claras referências à sua relação vivencial com o mundo do jazz, evocando em concreto memórias daquele bairro nova iorquino que toma como título. Memórias dos anos 20, que passam sobretudo pelo Cotton Club, por onde passou (como de resto sucedeu com tantos outros músicos do seu tempo). Com uma carga mais “política”, a suite Black, Brown and Beige (de 1943) alude a marcas da cultura afro-americana, das canções de trabalho que evoca em Black aos ecos do movimento da Harlem Renaissence, que se escutam entre Beige, Brown lembrando por sua vez o esforço de guerra dos soldados afro-americanos na II Guerra Mundial, que então decorria. O alinhamento deste disco com interpretações pela Buffalo Philharmonic, sob direção de JoAnn Falletta, passa ainda por obras compostas na sequência de encomendas para bailados e por uma leitura de Take The ‘A’ Train, peça icónica da obra de Ellington. Em leituras orquestrais, esta música reflete não apenas toda uma vivência jazzística como uma relação natural com os espaços da música para teatro (e o palco em geral), refletindo um peso maior do trabalho dois metais e percussão face às cordas, reorganizando jogos tímbricos e rítmicos distintos dos mais frequentes na música orquestral daquele tempo.