terça-feira, maio 21, 2013

Nos 200 anos de Richard Wagner (1)

Assinalam-se esta semana (mais concretamente amanhã), os 200 anos do nascimento de Richard Wagner, um dos maiores compositores de todos os tempos e absoluto paradigma da ópera alemã. Recordamos assim, esta semana, algumas expressões recentes (ou nem por isso) da sua obra. E começamos por aquela que me pareceu uma das mais espantosas (entre as que vi, claro) recriações da tetralogia d' O Anel do Nibelungo. Sob a visão de Robert Lepage, as quatro óperas que constituem este 'ciclo' surgiram no palco do Met, em Nova Iorque, entre 2010 e 2012 chegando, em transmissões HD ao grande auditório da Gulbenkian. Agora estão reunidas em DVD e Blu-Ray, que juntam ainda um documentário que nos dá conta dos bastidores desta produção. Este texto foi originalmente publicado no DN em março de 2013.

São ao todo cerca de 16 horas de música, num dos feitos mais impressionantes da história da arte, perdendo-se de conta a quantidade (e variedade) de produções levadas aos palcos de todo o mundo desde que, entre 1869 e 1876, foram estreadas as quatro óperas que, em conjunto, fazem a chamada tetralogia do Anel do Nibelungo. Uma das mais recentes contribuições para a história de palco do ‘Anel’ composto por Richard Wagner ganhou forma no palco da Metropolitan Opera, em Nova Ioque, entre 2010 e 2012 (tendo a Gulbenkian assegurado a exibição em Lisboa de cada uma das quatro óperas). Uma produção moderna, tecnologicamente desafiante e artisticamente inovadora, criada sob a encenação do canadiano Robert Lepage que vê este conjunto como “o filme que Wagner quis fazer mesmo antes de haver cinema”.

Estas palavras de Lepage surgem em Wagner’s Dream, um completo documentário realizado por Susan Froemke que integra, como complemento a O Ouro do Reno, A Valquíria, Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses, as caixas de Blu-ray e DVD que agora reúnem a integral desta tetralogia monumental.
A nova proposta cénica de Lepage corresponde a uma das mais bem sucedidas entre as abordagens recentes ao ‘Anel’ (entre as quais se conta ainda a que Graham Vick apresentou no São Carlos e que aguarda uma eventual edição em suporte audiovisual). Mas, tal e qual o documentário dá conta, a notícia de uma abordagem ousada à obra maior de Wagner deixou alguns espíritos reticentes, o próprio Lepage tendo comparado o seu esforço de motivar toda uma equipa como sendo algo semelhante ao de um Colombo, ciente de que tinha de garantir à sua tripulação que não iam cair do bordo do mundo... Assente no trabalho de uma grandiosa e pesada, mas muito versátil, máquina que gere a constante moldagem do espaço cénico mediante o jogo entre um conjunto de placas sobre as quais são projetadas imagens, a encenação de Lepage é minimalista, sem contudo atingir o grau de nudez cénica de um ‘anel’ essencialmente desenhado a laser apresentado em Bayreuth em inícios dos anos 90 sob produção de Harry Kupfer e direção de Daniel Barenboim.

Neste seu ‘anel’, Lepage procurou tornar possíveis (e visíveis) algumas das visões de Wagner que à época não se podiam materializar em cena, das figuras que cantam na água à caminhada sobre um arco-íris no final de O Ouro do Reno. “Wagner desafiou as possibilidades da ópera”, diz Lepage em Wagner’s Dream, onde nos é mostrado o making of deste feito e se revela como houve até o recurso a duplos precisamente na escalada que fecha a primeira das quatro óperas, que no seu todo reúnem vozes como as de Bryn Terfel, Stephanie Blythe, Deborah Voigt ou Jonas Kaufman no elenco. Dirigem James Levine e Fabio Luisi. Neste mesmo filme, um dos responsáveis do Met confessa que a ópera não sobrevive se se jogar pelo seguro. O ‘Anel’ de Lepage responde-lhe, com uma vibrante declaração de vitalidade.