Ninguém com um pingo de bom senso parte para uma nova edição do Festival da Eurovisão à espera de encontrar a canção, a voz ou a banda que irão marcar o panorama da música pop(ular) nos 12 meses seguintes (até ao festival do ano seguinte, entenda-se). Contudo, e apesar da bitola habitualmente nivelada por baixo, ocasionalmente há que registar inesperados momentos de surpresa (musical, que no plano dos trapinhos e da encenação não costuma faltar quem resvale para o plano do disparate). Do Verão com ligeiro tempero aos sinais dos tempos pop que Carlos Mendes apresentou em 1968 ao glam pop garrido de Waterloo dos Abba (que lhes deu a vitória em 1974) ou à presença eletro pop dos belgas Telex com Eurovision (em 1980) houve sempre ocasionais momentos em que as linhas que faziam o presente da cultura pop se entenderam com a vontade de participar num concurso na verdade sempre mais conotado com um espaço musicalmente “ligeiro” (ligeiro como coisa pouco incómoda para fácil digestão mainstream).
O tempo afastou o gume do interesse do consumidor médio de música do Eurofestival que entretanto ganhou novo alento com a abertura a Leste que se seguiu à queda de velhos muros que outrora dividiam a Europa ao meio.
Verdade seja dita que, apesar de algumas interessantes contribuições nos anos 90, as contribuições de Leste cedo desembocaram numa lógica semelhante à dos clichés chegados da Europa ocidental, isto para não falar das frequentes tentativas de mimetismos de modelos e formas pop, que soam quase sempre a coisa postiça.
Mas ocasionalmente há momentos que podem fazer a diferença. Não que sugiram que temos pela frente nomes com um potencial de carreiras globais (onde andam, por exemplo, os letões Brainstorm que chegaram a dar que falar com My Star no ano 2000). Este ano, perante a mais anorética de sempre das colheitas eurovisivas (e acho que digo o mesmo todos os anos, expressão de algo que vai de mal a pior), apesar do entusiasmo de quem votou perante uma canção dinamarquesa que vive do piscar de olhos a lugares comuns de um qualquer sucedâneo de coisa irlandesa, mas em tom de festa “moderna”, o que verdadeiramente interessante ali se mostrou, além de uma participação sóbria (e pouco convencional) da holandesa Anouk, foi uma canção chegada da Hungria.
Assinada por ByeAlex, um húngaro de 28 anos, a canção Kedvesen (cantada na sua língua materna), acompanhada em palco por um guitarrista e uma corista deu ao concurso os seus três minutos de suspiro de alívio. Afinal nem tudo era assim tão mau... É uma simples canção pop acústica, que não vai inventar nada nem certamente deverá mudar a vida de ninguém (além, eventualmente, das dos músicos envolvidos). Mas que, perante tamanha montra de nulidades, se destacou ao ser tranquilamente coisa contra-corrente. Nem tambores, nem pastiche de Britney, nem baile de máscaras, nem balada desinspirada para garganta forçada. Nada disso. Apenas uma simples canção pop acústica. Vem de Leste. Vem da Hungria... Resolvi escutar o que dele mais havia disponível nas plataformas online. Não parece mau. Reafirmo que não é coisa para levantar entusiasmos. Mas que mostra que, mesmo entre perto de 40 participações afogadas em falta de inspiração e clichés quanto-baste, ali há (ocasionalmente, é certo) quem ainda nos possa surpreender.
PS. Para ouvir sem preconceito.