sábado, maio 18, 2013

Nas palavras de F. Scott Fitzgerald

F. SCOTT FITZGERALD (1896-1940)
O impacto do filme de Baz Luhrmann é indissociável de um muito peculiar e feliz entendimento do poder das palavras: daí que faça todo o sentido regressar à escrita sublime de F. Scott Fitzgerald — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 Maio), com o título 'Sob o signo da escrita de Fitzgerald'.

Quando Nick Carraway (Tobey Maguire) começa a escrever as suas memórias de Jay Gatsby (Leonardo DiCaprio), o filme de Baz Luhrmann aplica os recursos das três dimensões para um efeito, no mínimo, pouco comum. Assim, como que tocadas por um poder imonderável, as palavras que Carraway vai dactilografando adquirem uma autonomia e uma espessura que as transformam em entidades “esvoaçantes” no espaço do ecrã. Não é um mero efeito de “desenho animado”: em boa verdade, sentimos que o 3D pode existir como um novo território para o exercício da escrita e da sua ambígua materialidade.
Não é banal o desafio que assim se propõe. Desde logo porque Luhrmann, em vez de se acomodar em qualquer “ilustração” académica do texto de F. Scott Fitzgerald, encara-o justamente como uma possibilidade de abertura a novas formas de escrita e entendimento do factor humano. Depois, porque o filme relança a angustiada interrogação simbólica do romance (como pertencemos ao nosso tempo?) como coisa muito nossa, distante de qualquer nostalgia mais ou menos revivalista.
Provavelmente, na trajectória de Luhrmann, O Grande Gatsby vai ficar como o momento de eleição em que, finalmente num novo equilíbrio entre estratégia narrativa e meios de produção (recorde-se o desastre do anterior Austrália, lançado em 2008), ele consegue a proeza de fabricar um objecto cinematográfico que respeita a energia literária que o faz nascer, ao mesmo tempo celebrando uma contagiante dimensão operática. No coração de tão singular evento está Leonardo DiCaprio que aqui encontra, também ele, um momento definidor: o de figura icónica do “Sonho Americano”, para sempre preso no desespero de quem não pode apagar a fragilidade infantil que, afinal, lhe confere uma radical intensidade trágica.