domingo, abril 14, 2013

Sócrates e Marcelo no país do "Big Brother"

JACKSON POLLOCK
Number 1 (Lavender Mist)
1950
A dicotomia José Sócrates/Marcelo Rebelo de Sousa passou a marcar a actualidade mediática: boa oportunidade para reflectir sobre as relações entre o espaço televisivo e os discursos políticos — esta crónica de televisão foi publicada no Diário de Notícias, com o título 'Sócrates e Marcelo'.

Um efeito típico do populismo televisivo é o triunfo do mais básico paternalismo: pressupõe-se que tudo deve ser tratado de forma “ligeira” e “pitoresca”, caso contrário os espectadores desinteressam-se... Durante muito tempo, os comentários de Marcelo Rebelo de Sousa (TVI) existiram assombrados por tal populismo. Não pelos seus temas ou perspectivas, mas pelo enquadramento pueril que Júlio Magalhães lhes conferia: considerações sobre os presentes que ambos trocavam ou evocações dos telefonemas que faziam a altas horas da noite só podiam introduzir uma patética nota de ridículo que, inevitavelmente, feria a seriedade das análises.
Felizmente, isso mudou com Judite de Sousa, criando um clima muito mais salutar e convincente nos diálogos semanais com Marcelo Rebelo de Sousa. Entretanto, a questão ganha nova actualidade com os comentários de José Sócrates na RTP1, conduzidos por Cristina Esteves. Também neste caso estamos perante uma postura cordata e atenta, capaz de contrariar a histeria que promove a ideia de que o bom jornalista é aquele que interrompe... porque sim, se possível acumulando insinuações mais ou menos torpes sobre o seu entrevistado.
Aliás, convém não esquecer que Sócrates e Marcelo não surgem no formato “entrevista”, mas como protagonistas de espaços cujo discurso e escolhas são da sua responsabilidade. Em ambos os casos, podemos assistir a duas pessoas que realmente constroem um diálogo, escapando ao estilo mais ou menos crispado que triunfou em muitas zonas do espaço televisivo.
Se quisermos convocar uma simbologia romanesca (nada a ver com romantismo), podemos reconhecer que é interessante que quem escuta seja, nos exemplos citados, uma figura feminina. Afinal de contas, mesmo o populismo mais “liberal” continua a distinguir-se pela tolerância com a estupidez machista. Veja-se o horror do Big Brother e seus derivados... Aliás, seria interessante saber o que Marcelo e Sócrates pensam sobre o veneno existencial que o populismo televisivo injectou em muitas formas de relação social. E também na percepção da vida privada.