Mais do que nunca, a discussão mediática e ética do futebol está na ordem do dia: os ingleses sabem dar o exemplo — esta crónica de televisão foi publicada no Diário de Notícias (19 Abril), com o título 'Pedagogia da Premier League'.
Não é todos os dias que a televisão sabe integrar formas & conteúdos capazes de nos ajudar a pensar a própria televisão. Acontece, agora, com a SportTV, mais especificamente através da difusão do canal oficial da Premier League inglesa.
As lições da Premier League começam no discurso que, oficialmente, enquadra a prova. Não, ninguém gasta horas e horas a avaliar a “justiça” dos resultados, nem a dar importância ao facto de uma ou duas dezenas de espectadores de duvidosa sanidade desportiva irem fazer barulho para a porta de um estádio... Nada disso: a Premier League assume-se como uma instituição social (obviamente com uma importantíssima dimensão financeira) apostada em valorizar o gosto do futebol e a partilha das suas emoções. Mais ainda: esse gosto é trabalhado e promovido junto de crianças e adolescentes.
Depois, nas reportagens, nas entrevistas e nos comentários, prevalece um princípio tão simples quanto radical: o futebol merece ser visto e apreciado. Ninguém transforma um erro de um árbitro numa catástrofe capaz de lançar suspeitas sobre metade da população do país (há dias, perante uma repetição que mostrava que um golo tinha sido mal anulado, ouvi mesmo o comentador dizer apenas “o árbitro enganou-se” e... passar à frente).
Prevalece sempre a noção de que o jogo é a matéria fulcral de imagens e sons. E não será preciso sublinhar que as equipas inglesas de realização são notáveis (o que, entenda-se, não invalida o reconhecimento de que, no contexto português, as temos também e muito talentosas).
Finalmente, ninguém aplica aquele misto de soberba e displicência que leva alguns comentadores a falar de tudo e mais alguma coisa, excepto do jogo que têm ali à sua frente. Os comentadores ingleses interessam-se, de facto, pelo que estão a ver, usando frases curtas e concisas para nos informarem. Mais do que isso: aceitam as incidências do jogo como expressão da fascinante imponderabilidade do próprio futebol, evitando lançar no imaginário social a ideia sinistra de que alguns resultados são “aceitáveis” e outros não. Abençoada pedagogia.