segunda-feira, abril 15, 2013

Entre memórias e lojas de discos
com Pedro Adão e Silva

Iniciámos este mês no Sound + Vision a publicação de uma série de memórias pessoais sobre os espaços das lojas de discos. Hoje passam por aqui as palavras do Pedro Adão e Silva, professor universitário, comentador politico (no Expresso, SIC Notícias e TSF) e autor do programa Zona de Conforto, na TSF. Ao Pedro um muito obrigado pela colaboração.


Estou convencido que ninguém começa a comprar e a ouvir discos na idade adulta. Como todos os outros prazeres que perduram, o da música tem de começar bem cedo e as memórias mais marcantes são, também, as que chegam com as primeiras descobertas. As lojas de discos de que guardo melhores memórias, e que funcionam como medida de todas as outras, são as que percorri na adolescência. Umas, com muita frequência, outras, esporadicamente, mas o suficiente para deixarem marcas indeléveis.

À nostalgia dos lugares corresponde também uma outra: a de uma forma de procurar e comprar música que já não regressa. Da experiência táctil de percorrer com os dedos filas intermináveis de vinis e, não menos relevante, do tempo sem fim que tinha para explorar as poucas novidades que chegavam e o fundo de catálogo, onde buscava uma promoção inesperada. Comprar um disco era o culminar de uma longa peregrinação, que implicava poupar todo o dinheiro recebido para depois ficar semanas a fio a ouvir o mesmo álbum, vezes sem conta. Hoje, entre democratização do acesso e o crescimento exponencial da oferta, essa relação afetiva, feita de escutas prolongadas e insistentes, foi sendo reinventada.

Em parte também por isso, as lojas de discos de que mais gosto já não existem. Faziam parte de um mundo que se perdeu. Já o vício dos discos continua cá e quando penso nele, sei reconhecer os lugares exatos onde o construí. Nas idas tímidas à Contraverso, espaço de todas as descobertas, onde um miúdo, com umas notas no bolso, se sentia naturalmente constrangido por aquela música que ainda não conhecia, mas que queria conhecer toda – e com vergonha de fazer perguntas que expusessem toda a ignorância. Ainda hoje, sou capaz de ser devolvido ao dia em que, aí, comprei o primeiro CD – e em que comecei a abandonar o vinil – o Guitars and Other Machines dos Durutti Column, acabado de sair. A primeira visita a Nova Iorque, ainda na adolescência, e o espanto com as megastores, e com os discos bem mais baratos, mas também com algumas pequenas lojas em downtown onde me perdi tardes inteiras (com uma tolerância infindável da família que queria ver a cidade); as idas a Londres, as luzes fortes e as prateleiras infindáveis da HMV e o regresso a Lisboa com o que me parecia meio-catálogo da 4AD debaixo do braço.

Ainda assim, continuo a encontrar ecos esparsos desse mundo em desaparecimento. Em Lisboa, na Flur, que combina esse olhar para o passado com um ambiente moderno, fruto da luminosidade que contrasta com os cantos escuros onde ficavam as lojas do passado. Ou, como aconteceu, há semanas, em Austin, no Texas, onde regressei subitamente a esse passado na Waterloo. Uma loja que parece transportada desde outro tempo: novidades, segunda mão, fundo de catálogo, vinis a perder de vista e muito memorabilia para nostálgicos, numa loja cheia de gente, a provar que são muitos aqueles para quem não basta receber discos, via correio, encomendados pela net. Por mais que retiremos cuidadosamente o plástico envolvente, leiamos todo o inlay e coloquemos a pequena rodela a tocar, a experiência de ouvir um disco não é a mesma. Nada se compara à audição de um disco que avistámos primeiro numa prateleira e comprámos, por vezes num impulso.