A ópera Nixon in China apresenta-se dividida em três atos, o primeiro com três cenas, o segundo com duas e o terceiro, mais curto, com apenas uma. No primeiro ato acompanhamos a chegada do Air Force One a Pequim, o encontro com Mao (que um dos diplomatas ali presentes descreveu mais tarde como sendo bastante fiel na representação que a ópera propõe), onde se juntam o desejo de pragmatismo de Nixon e as palavras num plano mais filosófico do estadista chinês, terminando depois com um grande banquete em honra dos visitantes. No segundo ato seguimos as visitas de Pat Nixon a escolas e zonas rurais chinesas e o pungente confronto entre realidade e ficção na ocasião de uma representação de um bailado com alma de propaganda ao fim do qual irrompe a figura (e a força) de Jiang Qing, numa das mais inesquecíveis árias da história da ópera contemporânea. O terceiro ato mostra os protagonistas nos seus respetivos quartos, da intimidade nascendo reflexões que revelam a face interior de todos eles, os seus medos, desejos e, no fim, as suas grandes dúvidas.
A edição em CD de 1987 |
O próprio Richard Nixon foi convidado para a estreia e chegou a receber um libreto, mas, através de um elemento do seu staff, avisou que não estaria presente por razões de saúde e também pela necessidade de assegurar a publicação iminente de um texto de sua autoria. Um antigo advogado do ex-presidente disse depois a John Adams que Nixon seguia habitualmente o que sobre ele se publicava, pelo que terá provavelmente assistido à transmissão televisiva da ópera através do PBS.
Segunda gravação, em 2009 |
A nova edição em Blu-Ray e DVD da produção – novamente encenada por Peter Sellars – que o Met apresentou na sua temporada passada assinala o reencontro de James Maddalena com o papel de Nixon e conta no elenco com Janis Kelly (Pat Nixon), Richard Paul Fink (Henry Kissinger), Robert Brubaker (Mao Tsé-tung), Kathleen Kim (Jiang Qing) e Russell Braun (Chou En-lai). O próprio John Adams dirige a orquestra do Met nesta que corresponde assim à terceira gravação de Nixon in China nos poucos mais de 25 anos de vida da ópera. Como o próprio Peter Sellars explicou no intervalo da transmissão exibida pela Gulbenkian (e que a nova edição regista), muito mudou sobre o conhecimento que os ocidentais têm da China desde o dia em que se deu a histórica viagem de 1972 e a própria estreia da ópera em 1987. O encenador aponta, por exemplo, a memória dos incidentes na Praça Tiananmen. “Madame Mao foi julgada e suicidou-se anos depois quando cozia botões nos olhos de bonecas de pano. O médico de Mao publicou um livro lúgubre e apavorante emq ue deu detalhes sobre as orgias de morte, sexo e solidão na Cidade Proíbida dos últimos anos” de Mao, “incluindo a sua vingança final contra Chou En-lai, recusando-lhe os medicamentos para um tumor na bexiga, assegurando assim que morreria antes de si”, relata o próprio Peter Sellars no booklet que acompanha esta edição.
John Adams, por seu lado, descreve, no mesmo booklet, a China de hoje como “uma sociedade estranha e esquizofrénica, uma economia capitalista com um desejo incontrolado de crescimento. Mas, politicamente, ainda um país comunista, com uma ditadura partidária marxista à moda antiga”. Sellars acrescenta que o jogo económico mudou num quarto de século. “A China é hoje o banqueiro e o dólar americano está dependente de si. Ao mesmo tempo, o capitalismo desastroso, sem querer fazer os chineses iguais a nós, está a tentar encontrar como fazer do Oeste algo mais parecido com a China – com menos liberdades, menos direitos, maior produtividade e ordenados mais baixos”(36).
(35) idem, pág. 146.
(36) in booklet do Blu-Ray/DVD da produção do Met para Nixon in China.