domingo, março 03, 2013

O retrato de um místico indiano

Um dos mais recentes títulos lançados pela editora de Philip Glass apresenta a primeira gravação da oratória 'The Passion of Ramakrishna', oratória para coro, solistas e orquestra que partilha aqui o alinhamento com uma nova orquestração de uma das composições de Ravi Shankar para o histórico álbum Passages.

Não sendo um destino central da sua obra, a relação com a fé e a abordagem em concreta a figuras de várias religiões cruzou já por diversas vezes a música de Philip Glass, seja na ópera Akhnathen em que evoca o criador do primeiro culto monoteísta, na banda sonora de Kundun, o filme de Martin Scorsese baseado na vida e nos escritos do 14º Dalai Lama ou em Satyagraha, ópera-retrato de Gandhi, que não ignora o Bhagavad Gita... Uma das mais recentes edições discográficas através do catálogo da sua Orange Mountain Music apresenta-nos nova incursão pelos caminhos do seu interesse pelo misticismo oriental na forma de um oratório, estreado em 2006 (encomendado pela Nashville Symphony Orchestra e pela Orange County's Pacific Symphony) que celebra a figura de Sri Ramakrishna, um importante líder espiritual indiano do século XIX cuja influência se fez notar entre os movimentos de resistência do seu tempo (bem como os que ganharam forma já no século XX).

Estreado em 2006, este oratório para coro, solistas e orquestra está longe de representar uma das mais inventivas das criações recentes de Glass, ao contrário do que escutámos ainda recentemente entre o carácter lírico mais assombrado da ópera The Perfect American, estreada há poucas semanas em Madrid ou nos sinais igualmente abertos a novos horizontes que tem ensaiado nas Sinfonias números 8 e 9, estreadas nos últimos anos (ainda não ouvi a décima). Tanto o trabalho orquestral como o vocal (sob libreto redigido pelo próprio compositor, citando ensinamentos de Ramakrishna e um relato dos sintomas do tumor que lhe tiraria a vida) seguem caminhos já experimentados pela obra de Glass posterior à monumental Sinfonia Nº 5, ainda hoje a expressão maior das suas reflexões sobre o homem, o mundo e a transcendência sob um ponto de vista ecuménico. Com momento maior no elegante e delicado epílogo que encerra a obra, o oratório sublinha contudo a progressão de uma viagem emocional para a música de Philip Glass, os jogos de sentidos (das palavras e da música) ultrapassando em muito a lógica formal da qual a sua linguagem emergiu há já mais de 45 anos.

Como complemento desta gravação, que conta com o Pacific Chorale e a Pacific Symphony, esta última dirigida por Carl St. Clair, que estreou esta mesma obra em 2006, surge ainda um novo arranjo orquestral para Meetings Along The Edge, composição de Ravi Shankar que integrou o alinhamento de Passions, o álbum que gravou juntamente com Philip Glass em 1990.