segunda-feira, março 11, 2013

O mundo segundo Soderbergh

Rooney Mara
Com o seu novo filme, Efeitos Secundários, Steven Soderbergh volta a mostrar como é, e porque é, o mais independente dos cineastas da grande indústria americana — este texto foi publicado no Diário de Notícias, com o título 'Um independente no coração de Hollywood'.

Assim rezam as crónicas: aos 50 anos, Steven Soderbergh está a pensar encerrar a sua actividade como cineasta. Ou, pelo menos, como realizador de filmes para cinema: Efeitos Secundários será o seu derradeiro trabalho para exibição nas salas escuras, já que ele se diz mais interessado em dedicar-se à ficção televisiva (tem, aliás, em fase de acabamento o telefilme Behind the Candelabra, sobre o cantor Liberace) ou a outras actividades criativas como a pintura.
Em boa verdade, nos últimos anos, Soderbergh tem evocado esta hipótese com regularidade. Seja como for, Efeitos Secundários não exibe, nem de longe nem de perto, o tom de uma obra terminal, muito menos de um testamento. Estamos perante um dos domínios em que o cineasta tem revelado um peculiar requinte narrativo: o thriller com componentes mais um menos românticas que, a pouco e pouco, se vai transfigurando em crónica implacável sobre os bastidores da política ou da economia.
Por isso mesmo, não é fácil resumir as peripécias do filme sem correr o risco de revelar alguma das elaboradas surpresas que o argumento nos reserva. Simplificando, digamos que se trata da história de uma mulher (Rooney Mara) cujo marido (Channing Tatum) acaba de cumprir uma pena de prisão; na sequência de uma tentativa de suicídio da protagonista, o psiquiatra (Jude Law) que a acompanha receita-lhe medicamentos para a depressão que, como o título sugere, começam a gerar inquietantes efeitos secundários...
Pela sua teia de personagens, e também pelo labirinto de verdades e mentiras que condiciona os respectivos comportamentos, Efeitos Secundários é um parente próximo de outros títulos do autor, incluindo The Limey/O Falcão Inglês (1999), centrado na vingança de um inglês nos bastidores do crime em Los Angeles, Traffic/Ninguém Sai Ileso (2000), tendo por pano de fundo o circuito das drogas na fronteira EUA/México, e Contágio (2011), sobre uma epidemia que nenhuma fronteira, geográfica ou política, parece poder estancar. Tal como na sua célebre longa-metragem de estreia, Sexo, Mentiras e Video (1989), pode dizer-se que Soderbergh filma grupos humanos confrontados com a ameaça de desmoronamento dos valores e regras que os sustentam ou legitimam. Mesmo nos seus trabalhos habitualmente considerados mais “comerciais”, como é o caso da sofisticada série iniciada com Ocean’s Eleven/Façam as Vossas Apostas (2001), o seu cinema pode ser definido como uma galeria paradoxal do género humano, dos seus muitos rostos e fantasmas.
A capacidade de adaptação às mais diversas plataformas de produção constitui, afinal, um dos traços distintivos da trajectória de Soderbergh. Por um lado, ele é um símbolo exemplar da produção independente made in USA, tendo conseguido fazer Sexo, Mentiras e Video pelo orçamento minimalista de 1,2 milhões de dólares; por outro lado, nunca abandonado o coração de Hollywood, tem trabalhado também com valores de produção muitíssimo mais elevados, não poucas vezes dirigindo grandes estrelas como Brad Pitt, George Clooney ou Julia Roberts (que ganhou mesmo o Oscar de melhor actriz, em 2001, com Erin Brockovich, uma realização de Soderbergh).
O espírito independente do cineasta reflecte-se, enfim, na sua lendária versatilidade. Assim, por exemplo, Efeitos Secundários é a sua 16ª longa-metragem com direcção fotográfica de Peter Andrews e a 7ª cuja montagem surge assinada por Mary Ann Bernard. Quem são Peter Andrews e Mary Ann Bernard?... Pois bem, apenas pseudónimos de um senhor chamado Steven Soderbergh.