sexta-feira, março 22, 2013

"Euro-pudim", versão lisboeta

A fórmula é antiga e está gasta desde as suas origens: Comboio Noturno para Lisboa, de Bille August, refaz os lugares-comuns mais ou menos turísticos do "euro-pudim" cinematográfico — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 Março), com o título 'Da velha estética dos pudins'.

Como definir o programa temático e estético de Comboio Noturno para Lisboa? Infelizmente, através dos mais arcaicos lugares-comuns. Assim, quando Jeremy Irons chega a Lisboa, a cidade é automaticamente sinalizada por uma guitarrada na banda sonora; depois, somos brindados com meia dúzia de planos do Bairro Alto ou afins, tudo pontuado pelas manchas amarelas de muitos eléctricos; enfim, surge Nicolau Breyner a interpretar a figura obrigatoriamente pitoresca do dono de uma pensão que, pelos vistos, passa os dias sentado à porta a ler o mesmo jornal desportivo...
Não se trata de pôr em causa as competências dos actores citados. Este é mesmo o tipo de projecto em que o elenco funciona como uma espécie de menu de talentos (há ainda, entre outros, Charlotte Rampling, Tom Courtenay e Bruno Ganz), cada um deles utilizado de modo absolutamente irrelevante para os resultados. Comboio Noturno para Lisboa ilustra a longa tradição do tristemente célebre “euro-pudim” cinematográfico, promovendo uma espécie de auto-complacente turismo cultural por cenários mais ou menos fotogénicos, tudo embrulhado com a pompa de um telefilme de rotina, confundindo pose com complexidade artística.
Pergunta-se: não será que um filme destes consegue, pelo menos, manter o mercado a funcionar, garantindo algum trabalho a muitos profissionais? Sim, sem dúvida. Em todo o caso, por mim não aconselharia a exploração desse discurso moralista. Porquê? Porque, face a ele, é inevitável começar por lembrar aquilo que a Europa não faz com muitos dos seus talentos mais inovadores, mesmo que possa haver quem considere que, à sua maneira, O Leopardo (1963), de Luchino Visconti, já era um exemplo de “euro-pudim”. Aí, não levem a mal, mas eu retiro-me com esta profunda reflexão teórica: pois...