Continuamos a publicação de uma entrevista com John Grant que serviu de base ao artigo ‘Como a música e uma nova casa transformaram a vida de um homem’, publicado na edição de 11 de março do DN.
O seu novo disco reflete o que parece ser um homem a entender-se consigo mesmo... Ainda vou a meio desse processo. Esse é o centro de gravidade do que está a acontecer. Mas sinto-me mais consciente de quem sou, e é-me mais fácil hoje aceitar quem sou. Isso foi sempre um desafio enorme para mim. Muitas vezes sinto até um pouco de vergonha de mim mesmo de ter levado tanto tempo para aqui chegar. Mas o percurso que fiz foi esse mesmo. Levou-me tempo a aceitar quem sou. A jornada de cada um é diferente da do outro. Passei tempo demais a esconder-me e a fugir...
Porque levou tanto tempo esse processo de busca? Creio que sempre andei à procura de um lugar ao qual pertencesse. E achava que esse lugar não existia para mim. E isso foi um problema enorme. Para podermos pertencer ao que quer que seja temos, primeiro, de saber o que queremos e de estar bem. Agora estou mais capaz de despir essas camadas exteriores e chegar à medula dos assuntos e assim poder integrar, fazer parte de uma comunidade. Isso por vezes ainda me assusta. Lembro-me sempre de episódios de dor e de rejeição... Mas agora sinto-me confortável na Islândia. Gosto da mentalidade das pessoas. São muito abertos. E conheci pessoas espantosas aqui. Denver nunca foi um lugar onde sentisse conforto comigo e com os erros que ali fiz. Ali perdi a mãe para um cancro do pulmão, passei por episódios de dependência e pela separação da minha antiga banda. Aquele lugar está cheio de erros e dor. Estive lá cerca de um mês por alturas de dezembro, e reparei que ainda hoje não é o lugar para mim. Posso ser mais quem sou na Islândia. Ainda tenho muitos dos meus mecanismos de defesa ativados, mas sinto que há uma outra atmosfera aqui.
É sabido que, na estrada, gosta do contacto com aqueles que assistem aos seus concertos. Gosta de falar com quem ouve sua música? Isso é uma das partes mais importantes desta viagem. Eu deixo que as pessoas me ajudem. Ao mesmo tempo acho que posso ter uma mensagem para pessoas que lidem com os mesmos problemas que eu. Sei o que é a autorejeição. Tenho por isso uma mensagem para pessoas que têm uma vida horrível como a que vivi. Ligar-me às outras pessoas ajudou-me a crescer. Essa ligação é mesmo muito importante que o que alguma vez pudesse supor. Sempre consegui fazer amigos. As pessoas são mesmo muito importantes para mim, se bem que houve uma altura em que não me sentia com vontade de estar com ninguém.
Teve uma formação religiosa. Como se relaciona hoje com essa herança formadora? A religião é uma parte importante de todos nós. Eu tenho uma educação religiosa. Uma das coisas piores é a rejeição do outro que vem dessa cultura, o que é o oposto do que supostamente deveria ser... Nunca entendi aquela direita religiosa americana que acredita que a Bíblia é a constituição dos EUA. Os EUA fizeram muito de bem, mas também muito de mal ao mundo. Tem de haver necessariamente uma separação entre a igreja e o estado. Não é uma teocracia como o Irão, mas parece haver quem não o entenda... Não estou a falar de questões como a violação ou o assassínio. Estou a falar de amor entre dois homens. Quando as pessoas dizem que Deus diz que é errado, tudo bem... Mas a forma como a constituição dos EUA foi feita criou um lugar onde as pessoas pudessem viver as suas vidas como elas são. Querem levar-nos de volta à Idade Média, à Inquisição. E isto vai contra aquilo em que acreditam... Jesus dizia para as pessoas serem humildes, ajudar os necessitados e estar disponível para as pessoas e os seus entes queridos.