quinta-feira, março 14, 2013

Discos pe(r)didos:
Jon Hassell, Dressed For Pleasure

Jon Hassell 
“Dressing For Pleasure” 
Warner 
(1994) 

É do cruzamento de caminhos, escolas, instrumentos ou experiências que costumam nascer algumas das mais vibrantes ideias na música. E ao longo da sua carreira por diversas vezes o trompetista norte-americano Jon Hassell marcou presença em episódios discograficamente marcantes, a sua invulgar capacidade em fazendo dialogar ecos de vários mundos podendo estar mesmo na génese do conceito de “quarto mundo” através do qual descreve a identidade da sua música e pelo qual, ainda antes da emergência de uma sociedade (e comunicação) global, já a sua obra olhava para lá das fronteiras das geografias, das formas musicais e das épocas, sugerindo uma consistente noção de personalidade híbrida forjando uma atitude visionária que, entretanto, conquistou inúmeras outras expressões (e adeptos) noutros patamares e latitudes da invenção musical do nosso tempo. Antigo aluno de Karlheinz Stockhausen (teve entre os colegas Holger Czukay), parceiro de Terry Riley na primeira grvação do mítico In C (uma das obras basilares do minimalismo norte-americano), coautor com Brian Eno do marcante Fourth World, Vol 1: Possible Musics (de 1980), Hassel nunca reconheceu como barreira a ideia de fronteira entre territórios musicais, e por várias vezes colaborou com nomes mais associados a terrenos pop, dos Talking Heads a David Sylvian, com este tendo partilhado a composição de alguns temas de Brilliant Trees (1984) e sido parceiro fundamental no EP Words With The Shaman e no álbum instrumental Alchemy: An Index Of Possibilities (ambos de 1985). Contudo, e apesar da reconhecida importância na sua obra do magnífico Power Spot (editado em 1986 na ECM, sob produção de Brian Eno e Daniel Lanois), há um outro disco que merece ser recordado entre os episódios fulcrais da obra de Hassell. Editado em 1994 pela Warner, Dressing For Pleasure representa a sua incursão pelos domínios de uma certa redescoberta dos universos do jazz pelos espaços da música de dança contemporânea (pós-revolução house, entenda-se) e, se quisermos aplicar um “rótulo” ao que ali encontramos, podemos descreve-lo como o álbum acid jazz do trompetista. Com estrutura assente sobre um trabalho de colagem de samples (muitos deles de elementos de percussão, mas também vozes e outros momentos musicais), Dressing For Pleasure explora assimilações possíveis dos ensinamentos da cultura hip hop, integra no contexto uma alma jazzística (da qual o trompete é figura protagonista, mas que aceita ainda a integração de elementos samplados, como no caso de Destination: Bakiff, que usa um “pedaço” de uma criação de Duke Ellington) e ensaia ocasionalmente episódios de construção vocal, como se escuta no magnífico Personals que cruza gravações de anúncios pessoais com a contribuição de Leslie Winner. Kenny Garrett, Flea (dos Red Hot Chilli Peppers) ou Trevor Dunn são alguns dos colaboradores de um disco que representa uma das mais estimulantes entre as variações sobre ecos jazzísticos que o fenómeno acid jazz libertou na primeira metade dos anos 90.