terça-feira, fevereiro 19, 2013

O mundo de fantasia de Hushpuppy

É um dos filmes mais fascinantes que temos neste momento em exibição entre nós. Estreado no ano passado em Sundance (de onde saiu premiado), aclamado em Cannes (onde venceu a Camera d’Or) e agora com uma mão-cheia de nomeações (na verdade são quatro: filme, realização, argumento original e atriz), Bestas do Sul Selvagem (Beasts of The Southern Wild) coloca desde já dois nomes no mapa mundo do cinema do século XXI. Por um lado o realizador Behn Zeitlin, nova-iorquino de 30 anos que tem aqui a sua primeira longa-metragem. E, depois, a jovem Quvenzhané Wallis, que entrou já para o livro da triva dos Oscares ao ser, aos nove anos, a mais jovem nomeada de sempre para a categoria de Melhor Atriz (Shirley Temple, aos seis anos, venceu em 1934 um Academy Juvenile Award, uma categoria mais honorífica que competitiva, que não surge na premiação desde 1960).

História com intensos ingredientes de fantasia, Beastas do Sul Selvagem apresenta-nos os modos “diferentes” em que vive uma comunidade que habita uma região pantanosa e alagada (supomos que não muito longe de New Orleans) e que está separada e “defendida” dos costumes e rotinas da “civilização” por um dique que assim protege o seu espaço e a sua identidade. Casas frágeis, barcos, uma relação próxima com a natureza, são assim o mundo da pequena Huspuppy, que tem casa própria, ao lado da outra onde vive o pai, o espaço sendo partilhado apenas à hora da refeição, invariavelmente de frango cozido.

O filme contempla o espaço (embora segundo um registo bem distante do que conhecemos em Malick, apesar das comparações que foram surgindo), e sugere duas tramas em paralelo. A primeira centrada na figura de Hushpuppy, de um pai moribundo e da ameaça que uma tempestade representa para a comunidade que habita a “banheira” (como chamam àquele pequeno mundo alagado e “protegido”). A segunda, partindo de uma história contada na escola, acompanha a progressão de uma manada de auroks, animais pré-históricos há muito extintos que se libertam das calotes polares e encaminham para a “banheira”...

O tom de fantasia que a caminhada dos auroks leva ao filme e a própria liberdade de “menina selvagem” que anima a figura de Hushpuppy asseguram-nos que não estamos perante uma qualquer tentativa de representação realista dos ambientes em que floresceu a cultura cajun (nem mesmo a música, omnipresente e coassinada por Zeitlin e Dan Romer o vinca, apesar de pontuais afloramentos de marcas de identidade). E só pela porta da fantasia podemos entrar neste mundo.