My Bloody Valentine
“MBV”
Pickpocket
4 / 5
“MBV”
Pickpocket
4 / 5
Foi há 22 anos que, pela última vez, tínhamos ouvido um álbum novo dos My Bloody Valentine. Era o seu segundo longa-duração e, com o título Loveless, firmava uma visão (que se faria referência) na relação do ruído com a construção de canções, arrumando ideias e definindo um patamar que, desde então, ganhou o peso de “instituição” (no sentido mitológico que estas coisas costumam ganhar nos domínios da cultura popular). O silêncio que se fez desde então teve poucos episódios de interrupção. Houve uma versão de uma antiga Bond song, uma outra de um tema dos Wire. Depois a separação e, há pouco mais de cinco anos, o regresso. Já se falara de um álbum novo em finais de 2012, mas quando parecia novamente apontado às calendas, a surpresa chegou online, com uma nova coleção de canções já disponíveis para download no site da banda, o lançamento físico (em vinil e CD) estando agendado para a última semana deste mês. Valeu a espera? Convenhamos que foi mais longa que a que Bowie nos deu desde Reality (dez anos) ou até mesmo David Sylvian imprimiu à sua discografia a solo entre Secrets of The Beehive e Dead Bees on a Cake (doze anos, pelo caminho tendo todavia editado projetos de colaboraçãoo)... Afinal foram 22 anos de silêncio. Kevin Shields já confirmou que parte do disco fora gravado antes da separação em 1997, o que talvez explique a sugestão de evidente continuidade face ao que Loveless nos mostrara em 1991, como se novo capítulo de uma narrativa em sequência se tratasse. Ao contrário da mudança de linha (rumo a uma busca mais angulosa e eletrónica) que os Portishead promoveram no regresso com Third (2008), após dez anos de ausência face ao disco ao vivo de 1998, MBV opta antes por fixar ideias junto do âmago da identidade que a banda ajudou a definir em inícios dos noventas. Regressa o claro protagonismo da eletricidade, um fundo cénico feito de reverberação e ruído (naturalmente moldado às intenções da composição), dali emergindo as canções como formas que ganham progressiva nitidez. Apesar de alguns ensaios de novos diálogos, como ouvimos em Wonder 2 (onde as guitarras, entre um nevoeiro elétrico, tentam encontrar um diálogo novo com um fundo rítmico desafiante) ou na belíssima visão quase pop de New You (onde se traduzem ecos de hábitos de entendimento entre as guitarras e os ritmos escutados na música de dança, que se ensaiavam nos dias de Loveless), MBV é em tudo um álbum fiel à personalidade (e à herança entretanto registada e assimilada por tantos outros) que os My Bloody Valentine inscreveram na história da música popular. Dificilmente será um disco tão marcante no presente (e no futuro) como o foram os dois que antes editaram. Será contudo alvo das mais apaixonadas dedicatórias de muitos que os tomam como referência e por eles esperaram 22 anos. Mas a verdade é que, mesmo sem ofuscar o carácter mítico dos dois álbuns anteriores – sobretudo o precioso Loveless – MBV tem o mérito de, contra a norma de tantas reuniões que temos visto nos últimos anos, devolver um nome à vida com um disco que não só não envergonha ninguém como é sinal de invulgar vitalidade após tantos anos depois. Algumas conclusões possíveis? 1. A cultura rock’n’roll não é já apenas um espaço de afirmação de juventude (quase 60 anos depois do dia em que Elvis entrou nos estúdios da Sun Records, era natural que assim acontecesse). 2. Há alternativas mais interessantes para a noção de regresso além das agendas de conforto “best of”. 3. O concerto no Primavera Sound vai (assim espero) confirmar que a passagem de testemunho para uma nova geração de admiradores não viverá apenas do apelo mais “fácil” da noção de nostalgia e da coisa da saudade. Afinal, há um novo (e muito bom) álbum a pedir vida em palco.