sexta-feira, fevereiro 15, 2013

Em conversa: Mark Eitzel (1)

Iniciamos hoje a publicação de uma entrevista com Mark Eitzel realizada por ocasião da sua recente passagem por Lisboa e pela edição do álbum Don’t Be a Stranger. Esta entrevista serviu de base ao artigo publicado na edição de 8 de fevereiro do DN com o título ‘Noite de concerto para viver um tempo de mudança em Mark Eitzel’.

Este é o primeiro álbum que edita depois do ataque cardiaco que sofreu em 2011. Mas as canções já estavam escritas antes desse momento… As canções já existiam, de facto, antes de eu ter sofrido o ataque cardíaco. Já tinha gravado muito do disco. Estava então apenas à procura de um som e de uma editora para o lançar quando sofri o ataque cardíaco. Foi em maio. E durante meses, até setembro, não consegui fazer exatamente nada. Não consegui trabalhar de todo quando estive doente.

E o que fez nesse período de convalescença? Ouvia música?... Foi uma pausa. Vi uns filmes, mas não conseguia fazer nada.

Em alguns discos lançados depois de terem passado por um período de doença grave há músicos que neles projetam uma espécie de grito de vida. Mas este seu novo álbum é mais suave, mais tranquilo. Não soa exatamente a alguém que ficou abatido pela doença... Eu quis ser um homem novo depois do ataque cardíaco. Tenho agora novas canções, e estou a tocar algumas das que já escrevi depois do ataque cardíaco. Mas para este disco não tinha espaço mental para fazer mais. Basicamente tinha de acabar aquelas canções que já tinha antes... Estava naquela altura a andar muito entre San Francisco e Los Angeles, por isso nem estive muito tempo deitado quando estive doente.

O trabalho de arranjos é, na verdade, basttante elaborado. Foi um dos focos das suas atenções nessa segunda fase de trabalho? Os arranjos vieram depois, de facto. Muito do que ouvimos no disco foi gravado no meu computador antes de estar doente. E só comecei a trabalhar nos arranjos em dezembro, quando retomei o trabalho. Regressei mais tarde a estúdio, em Los Angeles. Mas foi um processo lento, porque estavam também a gravar ali um disco da Rickie Lee Jones. E ela pagava o estúdio sem descontos. Por isso, o meu foi ficando por fazer.

A imagem da capa traduz aquela sugestão muito cinematográfica de abandono, a ideia de alguém que sai de cena… Sim, é muito a imagem do que é transitório. Muito comum num motel americano. São lugares onde se está em trânsito, são lugares de mudança. E é um pouco isso o que é este álbum.

É um período de transição o que o disco reflete? Sim...

Há quem, em dados momentos da sua vida, transite de um patamar de raiva para um de melancolia. É assim consigo? Não sei... A minha ira dá lugar a ira... Não sei se fico melancólico hoje em dia, como antes costumava ficar. Fico mesmo zangado. Sei contudo que hoje quero ser outra pesoa. Quero ser agradável. Simpático... Não é nada rock'n'roll. Mas é o que quero ser hoje em dia.

O que o faz sentir-se assim? É o mundo ao meu redor. É tudo tão doentio. E estou farto. Quando se está perto da morte e tanta gente boa nos ajuda, sentimos a bondade das pessoas. Quero agora refletir essa experiência.

É então verdade que as experiências de proximidade da morte têm um poder capaz de transformar as pessoas? Honestamente não penso muito nisto. Mas hoje, quando tenho a hipótese de sorrir para alguém, sorrio. Quando posso ajudar alguém a passar melhor o seu tempo, faço-o. Sempre fui um pouco assim. Mas agora é mesmo para onde sinto que vou.

(continua)