domingo, janeiro 20, 2013

A Lisboa de 1739 chega ao século XXI


Edição pela Naxos, em triplo CD, da ópera La Spinalba, do compositor português Francisco António de Almeida. Interpretação pelos Músicos do Tejo e as vozes de Luís Rodrigues, Cátia Moreso, Ana Quintans ou Fernando Guimarães, entre outros mais. Edição pela Naxos.

Um dos feitos mais importantes da música portuguesa nos últimos tempos, talvez mesmo o maior feito nacional de 2012 não veio nem do fado nem de nenhuma expressão maior da cultura popular portuguesa. Afinal, tem sido entre estes dois comprimentos de onda que vamos sendo ouvidos além das nossas fronteiras (mais no fado que em quaisquer outros caminhos, é verdade). A mais importante contribuição musical que Portugal deu ao mundo em 2012 foi na verdade uma ópera de meados do século XVIII. La Spinalba é a única das três óperas (conhecidas) de Francisco António de Almeida (1702-1755) a chegar intacta aos nossos dias. E, numa gravação pelos Músicos do Tejo, dirigidos por Marcos Magalhães, que a Naxos editou na reta final do ano passado, está a levar a outras latitudes a expressão de uma criação que reflete um tempo em que as ambições do rei D. João V (“iluminado” pelo ouro do Brasil) começavam a ganhar expressão na criação artística feita deste lado das fronteiras (e que não se limitou aos feitos na arquitetura, como o foram o Convento de Mafra, o Aqueduto das Águas Livres ou a biblioteca da Universidade de Coimbra).

A elevação da capela da corte (fisicamente situada junto ao Paço da Ribeira) a capela Patriarcal levou o rei a elevar a fasquia da sua exigência musical, contratando cantores e músicos (entre os quais o italiano Domenico Scarlatti) e fundando, em associação ao seminário, uma escola de música, enviando depois a Roma, para complementar os respetivos estudos, os seus melhores alunos. Entre eles contava-se Francisco António de Almeida. Pouco conhecemos do compositor (e até nem mesmo uma representação fidedigna do seu aspeto nos chegou). Crê-se que tenha nascido em 1702 e entre as obras que assinou conta-se um Te Deum, a oratória La Guiditta ou Il Trionfo d’Amore (que neste fim de semana os Músicos do Tejo apresentam no CCB). Terá passado por Roma na década de 20 do século XVIII e regressado a Lisboa por volta de 1728, havendo registos da sua presença numa atuação em abril desse ano na capital portuguesa. Muita da sua obra e mais detalhada informação biográfica ter-se-á perdido no terremoto de 1755, no qual se acredita que ele mesmo tenha perdido a vida.

Entre as suas criações que nos chegaram conta-se a ópera La Spilanba. Criada numa altura em que ainda não havia um grande teatro de ópera em Lisboa (a Ópera do Tejo, junto ao Paço da Ribeira e igualmente destruída no terremoto, só inauguraria em março de 1755), e no numa época em que a opera seria italiana ainda não estava no centro da vida musical lisboeta, La Spilalba surge segundo os modelos da opera buffa napolitana que, como explica Marcos Magalhães no esclarecedor texto do booklet, exigia menos virtuosismo vocal, entregando todos os papéis masculinos a tenores e baixos (e não a castrati). Expressão evidente da influência italiana (a própria ação decorre em Roma), La Spinalba data de 1739 e representa, nesta magnífica gravação pelos Músicos do Tejo, o estabelecer de um novo foco editorial na história da música criada por portugueses. Recorde-se que, pelo catálogo da Naxos contamos já com uma substancial representação do repertório orquestral de nomes como Jolly Braga Santos e Luís de Freitas Branco, os dois maiores sinfonistas da história da música portuguesa, assim como de obras de Carlos Seixas ou João Domingos Bomtempo.