sexta-feira, dezembro 14, 2012

Reedições:
Massive Attack, Blue Lines

Massive Attack 
“Blue Lines” 
Circa / EMI Music
5 / 5

Estávamos em inícios de 1991 quando pelas estações de rádio era distribuído um single assinado simplesmente como Massive... A banda era a mesma que, em outubro de 1990, tinha lançado como Massive Attack um single de título Daydreaming, revelando uma canção com afinidades com a cultura hip hop mas, ao mesmo tempo, uma toada rítmica mais tranquila, um trabalho cénico que explorava as potencialidades do eco e a presença de uma voz feminina no refrão que abria espaços à presença de tradições da música soul... Porém, em plena primeira Guerra do Golfo, numa altura em que houve rádios que retiraram da programação canções e nomes com conotações belicistas, o trio de Bristol encurtara o nome para apenas Massive. E assim apresentou Unfinished Sympathy, canção que, novamente com voz de Shara Nelson, levava ainda mais adiante as ideias lançadas em Daydreaming. Preparando a edição do álbum de estreia, a editora chegou a imprimir, em alguns territórios, capas de Blue Lines com o nome em versão politicamente correta. A bem da vida de um disco que acabaria reconhecido como um dos mais influentes de toda a década de 90, o conflito no Golfo Pérsico terminaria a 28 de fevereiro. E quando Blue Lines chegou às lojas, em abril de 1991, era a fiel tradução de um estimulante "ataque" a toda uma forma de entender a composição de canções, assimilando ensinamentos do hip hop e da cultura jamaicana.

Não foi por acaso que foi Bristol o cenário para a confluência de referências que fez nascer não apenas os Massive Attack mas projetos como os Portishead ou Tricky que (na verdade tendo de uma forma ou outra colaborado juntos) colocaram no mapa da música popular dos anos 90 uma variação lânguida, narcotizada, mas firme e cativante do que até então conhecíamos como canções em clima hip hop. Cidade portuária, com importante presença de uma população negra em grande parte proveniente da Jamaica, Bristol assimilara há muito os sons do reggae e, sobretudo, do dub, no seu código genético. E quando, em finais dos anos 90, o ressurgimento de uma cultura soul nasce no Reino Unido sob evidente diálogo com o hip hop (e basta aqui recordarmos uns Soul II Soul), em Bristol a estes ingredientes juntava-se o tempero dub e toda uma atitude mais tranquila a ele associada.

O trip hop conheceria assim no álbum de estreia dos Massive Attack um determinante paradigma que definira caminhos que a música viria a tomar ao longo dos anos 90. Com raízes no coletivo Wild Bunch (um dos primeiros soundsystems do Reino Unido), is Massive Attack juntavam então os DJs Daddy G e Andrew Wolves ao rapper Robert del Naja (que antes dedicava o seu tempo ao graffiti). Tinham editado um primeiro single em 1988 (Any Love), mas foi ao som de Daydreaming e Unfinished Sympathy que chamaram atenções. Em Blue Lines, o seu álbum de estreia, contaram com a colaboração vocal da cantora Shara Nelson, do veterano jamaicano Horace Andy e do jovem de Bristol Adrian Thaws que, poucos anos depois, faria carreira a solo como Tricky. No estúdio, a trabalhar como estagiário, estava Geoff Barrow, que três anos depois se apresentaria, ao lado de Beth Gibbons nos Portishead, cujo álbum de estreia Dummy (1994) representa, tal como o primeiro disco de Tricky, Maxinquaye (1995), um caso de descendência direta das visões que os Massive Attack revelaram em 1991 no revolucionário Blue Lines. Reduzidos hoje a Del Naja e Daddy G, os Massive Attack (que em 2010 editaram Heligoland, o seu quinto álbum de estúdio) vivem um estatuto mítico ainda à conta dos feitos deste disco histórico de 1991, que agora é reeditado, com som remasterizado mas sem extras.

PS. Este texto é uma versão editada de um outro originalmente publicado na edição de 12 de dezembro do DN com o título 'Um disco que ajudou a definir a história dos anos 90'.